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Quando Thomas Jefferson e seus compatriotas redigiram a Declaração de Independência dos Estados Unidos (promulgada em 4 de Julho de 1776), famosa por seus valores e princípios ainda hoje defendidos e protegidos pelos americanos, eles citaram logo no início da declaração um princípio fundamental desta carta: “que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade”.
Mas o que poucos de nós sabemos é que nesta declaração de independência, que valorizava os direitos individuais de cada cidadão, tinha por trás a influência de um pensador e filósofo inglês – John Locke (1632-1704). A filosofia política de Locke fundamentava-se na noção de governo consentido, pelos governados, da autoridade constituída e o respeito ao direito natural do ser humano – à vida, à liberdade e à propriedade. Se esses governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a propriedade, o povo tinha o direito de se revoltar contra eles.
O conceito do blockchain começou com o desenvolvimento do Bitcoin em 2009. O Bitcoin foi projetado como uma rede global para se transferir valores (ou moedas digitais) sem intermediários de confiança no roteamento dos dados. O blockchain é um tipo de banco de dados distribuído que guarda um registro de transações permanente e à prova de violação. O banco de dados blockchain consiste em dois tipos de registros: transações individuais e blocos. As principais características incluem nenhum ponto central de controle, alta disponibilidade, forte integridade de dados e harmonia em toda a rede que armazena estes dados. A rede como um todo é descentralizada o que significa que não há um único ponto de falha no sistema. Se um nó deixa a rede, outros nós já tem armazenado uma cópia exata de toda a informação compartilhada. De modo inverso, se um nó entra na rede, os nós iniciais imediatamente criam cópias de suas informações para o novo membro.
Dentre os diversos aspectos de interesse do uso do blockchain, há dois que nos chamam a atenção para o tema deste artigo:
- Empoderamento dos usuários: os usuários estão no controle de todas as suas informações e transações.
- Ser digital: praticamente qualquer documento ou bem (como nossos dados de Saúde) pode ser expressado em forma de código e encapsulado ou referenciado por uma entrada do “livro-caixa digital” (aquele registro que documenta as transações eletrônicas dos dados), o que significa que a tecnologia blockchain tem aplicações muito amplas, a maioria ainda não pensada, muito menos implementada.
Uma coisa deve ser reconhecida – o blockchain não é uma “tecno-panaceia” (ou tecnologia capaz de resolver qualquer problema), mas fornece uma solução simples que resolve muitos dos problemas de compartilhamento de informações na Assistência a Saúde.
Mas, como o blockchain se insere na capacidade dos pacientes terem a verdadeira propriedade de seus dados de Saúde Digital?
Uma revolução médica centrada no paciente também exigirá novos direitos e um novo pacto na relação do paciente com seus médicos e prestadores de assistência em Saúde. Uma plataforma que captura todos os dados de um paciente não pode simplesmente ser apenas acessível aos pacientes (como é o caso hoje, pois os dados estão em geral guardados pelos médicos, hospitais e provedores de serviço de Saúde); ela precisa ser possuída e controlada pelos indivíduos que contribuem para ela.
O paciente precisa tomar “posse de si mesmo” no ambiente dos dados gerados no ecossistema da Saúde Digital!
Contudo, um ditado comum entre os líderes da área de Saúde é: "não se trata de propriedade de dados, trata-se de acesso e controle", ou seja, ‘basta que concedamos ao paciente acesso aos seus dados no meu sistema e nas minhas regras que estará tudo certo’. Tal conceito negligencia uma das mais antigas regras de direito. A frase "posse é nove décimos da lei" surgiu porque é relativamente fácil de fazer valer os direitos de propriedade se alguém tem a posse de algo, mas difícil de aplicar de outra forma. O mesmo acontece com os dados. Simplificando, se você não tem posse deles, você terá que pedir permissão para ter acesso. Uma pessoa não pode manter o controle verdadeiro quando os seus dados vivem no servidor fechado de outra pessoa ou entidade.
Daí vem o potencial do blockchain na Saúde!
Estima-se que 20% dos erros médicos evitáveis se devem à falta de acesso imediato às informações de saúde dos pacientes. Dos cerca de 400 mil erros médicos evitáveis que levam à morte nos Estados Unidos anualmente. Podemos projetar que 80 mil pessoas morrem a cada ano (ou 220 por dia) por causa da falta de acesso necessário à informação médica. Nossa estatística no Brasil não é muito diferente da americana, infelizmente.
Sem conexão direta com seus dados médicos, as pessoas estão sofrendo danos físicos e até morrendo desnecessariamente. Consequentemente, temos que procurar com urgência uma estratégia viável para digitalizar mais a Medicina, fornecendo um novo recurso para potencialmente ajudar cada indivíduo que voluntariamente participa neste ecossistema. Esta é a essência dos benefícios da democratização dos dados: o controle compartilhado oferece benefícios compartilhados a uma taxa exponencial. Quando os indivíduos informam o coletivo, e o coletivo informa o indivíduo, teremos o sistema de Saúde de aprendizagem que buscamos (no qual podemos aplicar as outras ferramentas de analise de dados como o Big Data/Right Data, Inteligência Artificial, Machine Learning, modelos preditivos, etc). E o blockchain pode ser uma das ferramentas para essa revolução!
Finalmente, retornamos ao que John Locke afirmou sobre o respeito ao direito natural de todo ser humano – à vida, à liberdade e à propriedade. Talvez, através do blockchain, tenhamos a chance de verdadeiramente ter a propriedade de nossos dados de Saúde Digital, permitindo-nos a liberdade de usá-los pessoal e coletivamente para avanço nos tratamentos médicos e, como consequência, exercer o direito mais natural de todos – ter uma vida ainda mais digna e feliz. Sim, todo ser humano detém a propriedade de si mesmo; sobre esta ninguém mais pode ter qualquer direito!
No próximo artigo iremos abordar alguns casos reais de como o uso do blockchain poderá transformar a Saúde Digital e beneficiar a todos nós, os pacientes!
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Guilherme Rabello
Gerência Comercial e Inteligência de Mercado
InovaInCor – InCor / Fundação Zerbini