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Antibióticos em crianças: do uso ao abuso

Antibióticos em crianças: do uso ao abuso
Rubens Cat
dez. 15 - 7 min de leitura
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Antibióticos são medicamentos de notável eficácia e boa segurança, responsáveis por salvar milhões de vidas, mas quando usados sem critérios e de maneira repetitiva podem trazer sérias consequências.

A primeira que nos vem à mente é propiciar aparecimento de bactérias multirresistentes e todos os problemas resultantes disso. Em 2019, nos EUA, houve dois milhões de casos de infecções por esse tipo de bactérias, com 23  mil mortes.

Em crianças, o abuso nas prescrições de antibióticos, principalmente aos lactentes (crianças menores de dois anos), pode trazer sérias consequências ao longo de suas vidas, como aumento da prevalência de condições patológicas como asma, rinite, dermatite atópica, sobrepeso, obesidade, doença celíaca, transtorno de déficit de atenção, dificuldade de aprendizagem e Transtorno de Espectro Autista.

O mecanismo destas perigosas consequências são a alteração da microbiota intestinal, que está em formação e desenvolvimentos nos primeiros anos de vida de uma criança. Microbiota intestinal é um conjunto de microrganismos não patogênicos que habitam o trato gastrointestinal, que são essenciais para o desenvolvimento do sistema imune, metabólico, inflamatório e até do desenvolvimento do sistema neural. Daí hoje a correlação que vem se fazendo entre esta alteração precoce da microbiota intestinal e o desenvolvimento de alterações neurocomportamentais.

Os três grandes fatores que alteram a microbiota dos bebês no primeiro ano de vida são: parto por cesariana, não aleitamento materno e uso de antibióticos. Nós pediatras temos a obrigação de diminuir ao máximo a exposição dos bebês a estes três fatores, pois isto vai melhorar a saúde e qualidade de vida das crianças.

Hoje, o abuso do uso de antibióticos é um fenômeno mundial e não ocorre somente na população pediátrica. Nós, profissionais da saúde, temos a obrigação de combater esta pandemia, com ações ostensivas e educativas principalmente aos pais e aos médicos que prescrevem os medicamentos.

Em relação às crianças, a maioria das prescrições de antibióticos ocorre em pronto atendimentos, onde a febre foi o principal motivo de ida aos estabelecimentos. Em 90 % dos casos, as infecções de vias aéreas superiores são quadros benignos, autolimitados e na maioria das vezes causados por vírus e não bactérias. 

Os vírus são tão mais frequentes que as bactérias que acho que estas infecções deveriam ser chamadas de IVVAS= Infecções Virais de Vias Aéreas Superiores. A Academia Americana de Pediatria estima que 70% a 80% das prescrições de antibióticos nestes casos são totalmente desnecessárias e não concordantes com suas diretrizes.

Também a solicitação de exames complementares como Hemograma e Proteína C Reativa, que tem nível de evidência muito baixo para predizer se a causa da febre é uma infecção bacteriana, é uma prática errônea, muito comum e  muitas vezes decisiva na prescrição errada de antibióticos em IVVAS.

Uma boa anamnese e exame físico, além de mínimo e obrigatório conhecimento médico e bom senso, são fundamentais para diminuirmos  estes preocupantes números e suas consequências.

IVVAS são na maioria das vezes doenças virais tratadas errônea e precipitadamente como infecções bacterianas.

Se médicos de pronto atendimentos tiverem uma atitude chamada WATCHFUL WAITING = OBSERVAÇÃO/ESPERA VIGILANTE - de tratar estas infecções como se trata uma gripe ou resfriado ( higiene nasal, muito líquido e analgésicos e antitérmicos) e se não houver melhora em um retorno discutir uma possível prescrição de antibióticos - tenho certeza que diminuiremos de maneira significativa o erro.

Outra falha comum que está acontecendo além da prescrição inadequada de antibióticos é o uso cada vez mais frequente de antibióticos de amplo espectro (Amoxi Clavulanato, Macrolídeos e Cefalosporinas). Estes antibióticos alteram de maneira mais significativa a microbiota intestinal aumentando os riscos e prevalência daquelas condições médicas descritas inicialmente.

As alterações do microbioma intestinal são mais importantes quanto mais frequentes as prescrições, maior o tempo de uso e o uso de antibióticos de amplo espectro.

 Amoxicilina continua sendo o antibiótico de escolha para a maioria dos crianças com IVVAS, quando houver indicação de seu uso. Se seu filho tem mais de 3 meses, não tiver dificuldade para respirar e ao abaixar a febre ele ficar bem, sorrir, brincar, interagir, aceitar pelo menos líquidos, não existe a necessidade de levá-lo a um pronto atendimento. Na maioria das vezes, em dois a três dias ele estará bem e sem febre.

Famílias que têm o privilégio de ter um pediatra para chamar de seu, entrem em contato com ele para orientações. Se necessário, uma consulta por telemedicina pode ajudar muito nestes momentos.

Se nós pediatras orientarmos e dermos segurança aos familiares de que na maioria das vezes a febre pode ser conduzida em casa, sem necessidade de uma consulta emergencial, e também houver conscientização, ações educativas e cobrança de protocolos de atendimento aos médicos de linha de frente, com certeza diminuiremos as prescrições de antibióticos e todos seus custos,  riscos e consequências.

Referências: 

1-Review Antibiotic exposure and adverse long-term health outcomes in children: A systematic review and meta-analysis Quynh A Duonga , Laure F Pittet b,c,d,e , Nigel Curtis b,c,d, Petra Zimmermanna,c,f,∗

journal of Infection, 85(2022) 213-300

2- Association of Infant Antibiotic Exposure With Childhood Health Outcomes

Zaira Aversa 1, Elizabeth J Atkinson 2, Marissa J Schafer 1, Regan N Theiler 3, Walter A Rocca 4, Martin J Blaser 5, Nathan K LeBrasseur 6

Mayo Clin Proc

. 2021 Jan;96(1):66-77. doi: 10.1016/j.mayocp.2020.07.019. Epub 2020 Nov 16.

3- Antibiotic Prescribing for Children in United States Emergency Departments: 2009-2014 Nicole M. Poole, MD, MPH1, Daniel J. Shapiro, MD2, Katherine E. Fleming-Dutra, MD3, Lauri A. Hicks, DO3, Adam L. Hersh, MD, PhD4, and Matthew P. Kronman, MD, MSCE1 Pediatrics. 2019 February ; 143(2): . doi:10.1542/peds.2018-1056. 

4- Factors Associated with Prescribing Broad-Spectrum Antibiotics for Children with Upper Respiratory Tract Infections in Ambulatory Care Settings Mohammad S Alzahrani , Mary K Maneno, Monika N Daftary, La’Marcus Wingate and Earl B Ettienne

Clin Med Insights Pediatr. 2018; 12: 1179556518784300.

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