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Sobre o que os médicos se preocupam?

Sobre o que os médicos se preocupam?
ANA CAROLINA AZEVEDO SALEM
nov. 16 - 7 min de leitura
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Como nós todos nos tornamos bons naquilo que tentamos fazer?

“Já é bastante difícil aprender a adquirir habilidades, tentar aprender todo o material que você tem que absorver para qualquer tarefa que você assuma. Nos últimos anos percebemos que estávamos na mais profunda crise da existência da medicina, devido a algo que você normalmente não pensa quando você é um médico preocupado em fazer o bem para as pessoas, que é o custo do tratamento de saúde.”
- Atul Gawande.

Assim o cirurgião Atul Gawande iniciou sua fala no famoso TED “Como curamos a medicina?”

No começo do século passado, quando ainda não tínhamos esse avanço tão grande nas ciências, o que o médico podia fazer estava ao alcance de sua memória. O “ser bom”, era ser ousado, corajoso, independente e autossuficiente; ter autonomia era o valor mais alto.

Analisando algumas gerações adiante, até chegar nos dias de hoje, tudo mudou. O contexto é completamente diferente, porque temos tratamento para milhares de doenças que não tínhamos antes, e ainda que não se tenha a cura para muitas delas, podemos garantir ao menos o cuidado, promovendo qualidade de vida para a maioria dos pacientes.

Chegamos a um ponto em que existem milhares de procedimentos clínicos e cirúrgicos disponíveis, e milhares de drogas podem ser prescritas. E até onde isso nos leva?

Ao contrário de antes, em que apenas um médico, uma enfermeira e um hospital eram suficientes para a prática médica, cada vez mais é necessário a fragmentação do conhecimento, dividindo-o em diversas especialidades. Porque simplesmente não temos como saber sobre tudo isso e nem fazer tudo sozinhos. E por mais estranho que pareça, até os clínicos gerais são especialistas, porque cuidam de apenas uma parte do tratamento. Não se tem uma noção geral do começo ao fim, e isso resulta em diversos problemas.

Dr. Atul cita, por exemplo, que 40% dos pacientes com doenças coronarianas na comunidade recebem tratamento incompleto ou inadequado, 60% de pacientes com asma e AVC também, e mais de 2 milhões de pessoas hospitalizadas adquirem uma infecção durante a internação, ou seja, porque alguém não fez seu trabalho direito.

Hoje com as equipes multidisciplinares, cada profissional depende um do outro. Aquele princípio da autonomia, da autossuficiência, não dá mais certo. Mas para que esse sistema funcione, também é necessário que as equipes sejam muito bem treinadas. Não basta ter os melhores componentes, por exemplo, os melhores clínicos, os melhores enfermeiros, os melhores fisioterapeutas, as melhores drogas ou as melhores tecnologias é necessário também que isso tudo funcione como um sistema, em conjunto e de forma adequada.

Dr. Atul cita a construção de um carro, se fossemos construí-lo reunindo as melhores peças, “Isso o levaria a usar freios Porsche, motor Ferrari, carenagem Volvo e chassi BMW. Instalando tudo isso junto, você obtém o que? Uma pilha muito cara de coisas sem utilidade que não vai a lugar algum. E é assim que a medicina se sente às vezes. Ela não é um sistema”.

Um sistema, para um bom funcionamento, tem algumas propriedades para agir e compor-se de forma interligada. De acordo com Dr. Atul, a propriedade número um de um sistema é a capacidade de reconhecer o sucesso e o fracasso, encontrar onde estão os problemas. Voltando para a medicina, para o especialista, por exemplo, é difícil conseguir ver bem o resultado final. A segunda propriedade de um sistema, para o cirurgião, seria então desenvolver soluções.

Ele relata que se interessou sobre isso, quando a OMS perguntou à sua equipe se poderiam ajudar em um projeto para reduzir a mortalidade em cirurgias. Apesar de toda a tecnologia desenvolvida, da intensa especialização e treinamento para as equipes de cirurgia, a segurança ainda deixa a desejar, já que os níveis de mortalidade e invalidez em cirurgias ainda são muito elevados. Ele começou então, a observar o que indústrias de alto risco faziam, por exemplo, na construção de edifícios ou na aviação. E descobriu que eles têm: tecnologia, treinamento e checklists.

“Checklists?” Isso mesmo, listas de verificação para ajudar a tornar os peritos melhores. E então, o cirurgião conseguiu que o engenheiro-chefe de segurança da Boeing os ajudasse. Resolveram preparar uma lista de verificação para as cirurgias, para toda a equipe, incluindo os cirurgiões. Primeiro precisaram compreender o processo, ou seja, identificar os momentos, em que realmente poderiam agir, para prevenir as complicações.

No caso da aviação, por exemplo, não é uma fórmula sobre como fazer o avião voar, mas um lembrete de coisas essenciais, que acabam sendo esquecidas ou perdidas se não forem conferidas. Eles criaram para as equipes de cirurgia uma lista de 2 minutos com 19 itens, com pontos de pausa: imediatamente antes da anestesia, imediatamente antes da incisão na pele e imediatamente antes que o paciente deixe o centro cirúrgico. Itens com coisas simples, como ter certeza que o antibiótico foi aplicado no tempo certo, mas que faz uma enorme diferença, porque nesse caso, corta a taxa de infecções pela metade. Ou ainda coisas como, verificar se todas as pessoas da equipe tinham se apresentado pelo nome no início do dia, afinal, ali eles formariam um time.

Essa lista foi aplicada em oito lugares do mundo, desde muito simples, até grandes centros. E o que se verificou foi que a taxa de complicações em cirurgias caiu em 35% e a taxa de mortalidade em 47%, em todos os hospitais que a adotaram. Isso é mais que um medicamento.

Então, Dr. Atul chegou à propriedade número três, que é a capacidade de implementar isso: “Conseguir que colegas ao longo de toda a cadeia realmente façam essas coisas. Há uma profunda resistência porque usar essas ferramentas, nos força a confrontar que não estamos em um sistema, obriga-nos a proceder com um conjunto de valores diferente. Exige que você adote valores como humildade, disciplina, trabalho em equipe. É o oposto daquilo com que fomos construídos: independência, autossuficiência, autonomia.”

E finaliza:

“Parece que é tempo de nos tornarmos assim. Fazer sistemas funcionarem é a grande tarefa da minha geração de médicos e cientistas. Mas, eu iria mais longe e diria, que fazer sistemas funcionarem, seja em tratamentos de saúde, educação, mudança climática, liberação do estado de pobreza, é a grande tarefa de nossa geração como um todo.”

Essa explosão do conhecimento trouxe junto a complexidade e a necessidade de especialização.

“Chegamos a um ponto em que não temos outra escolha, senão reconhecer, por mais individualistas que queiramos ser, que a complexidade exige o sucesso do grupo. Todos nós precisamos ser equipes treinadas agora.”

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