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Pseudociências e o charlatanismo na medicina

Pseudociências e o charlatanismo na medicina
Felipe Dalvi
nov. 15 - 8 min de leitura
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O termo "pseudo" traz a ideia de falso, de algo que se parece, mas não é. Assim, uma pseudociência pode ser definida como uma crença ou prática que se diz verdadeira e científica, mas que não decorre do uso do método científico - ou seja, não se submete ao conjunto de protocolos rigorosos que a ciência exige para considerar um fenômeno, uma intervenção, uma técnica como um conhecimento comprovado, um fato [1].

Para trazer ares de cientificidade às pseudociências, são muito comuns os argumentos a seguir:

"É uma prática milenar!"

Essa é a clássica desculpa para justificar que a prática deve funcionar, já que é usada há muitos anos e continua tendo adeptos. A escravidão também foi uma prática milenar, assim como a mutilação genital feminina, e por muitos séculos a terra foi considerada plana (sim, pasme, a terra é geoide e o sol não gira em torno dela!).


"Mas é natural!"

Esse é um argumento muito comum para dizer que, por ser natural, a prática é saudável e não deve causar mal. Bem, se entendermos “natural” como algo que vem da natureza, então é bom lembrar que cogumelos venenosos são naturais, bactérias que causam infecções letais também são naturais, assim como o chá de erva-de-são-joão, que diminui a eficácia de uma série de medicamentos e pode reduzir a absorção de ferro.


"O Dr. Fulano, que é professor na Universidade Bolinha, disse que funciona."

Argumento famoso entre a galera que adora replicar fake news de zapzap. Ser médico ou ter doutorado, mesmo que seja especialista na área, não significa que suas opiniões sejam verdades científicas. Opinião não é ciência. Se a hipótese é válida, basta seguir o método científico e publicar os resultados para a comunidade. Então não, até o momento não há evidências científicas de que Ivermectina previna infecção de COVID-19 [2], não importa o título de quem te disse o contrário.


"Minha tia disse que funcionou pra ela."

Querer validar uma prática com base em experiências pessoais ou profissionais subjetivas é conhecido como "evidência anedótica" e não se baseia em relações de causa e efeito cientificamente comprovados. Muitos profissionais "especialistas" utilizam dessa estratégia. Se sua tia foi curada da COVID-19, por exemplo, e acha que foi porque fez "tratamento precoce" (só pra constar, não tem evidência científica de que isso exista), é porque ela provavelmente iria se safar mesmo se tivesse tomado água de coco ou café com leite no lugar da Cloroquina [3].

Querer extrapolar e recomendar experiências pessoais e pontuais sem fazer um estudo mais amplo, com análises estatísticas de eficácia é, no mínimo, irresponsável. Essa é uma prática combatida desde a Grécia antiga por Platão e Aristóteles, que defendiam que mitos e opiniões individuais estavam submetidos à busca de um conhecimento verdadeiro [4].


"Tem evidências científicas."

A frase, falada quase sempre de forma vaga e sem mostrar as referências, costuma aparecer nas conversas para legitimar uma prática. Tem evidências? Mesmo? Onde foram publicadas? Em qual revista? Qual a qualidade das evidências? Teve revisão por pares pra ser publicado? O estudo foi duplo-cego randomizado? Teve grupo controle? Dizer apenas que foi "publicado" infelizmente não é suficiente! É preciso avaliar a qualidade do trabalho e é importante que pesquisadores de outros grupos cheguem às mesmas conclusões (ou que as refutem).


"Ah, mas se não funcionou é porque não fizeram direito"

Também conhecida como "falácia do escocês de verdade", trata-se de uma estratégia para relativizar um ou mais casos sem apresentar argumentos capazes de confrontar a crítica em si. Para não admitir que não tem comprovação científica, os defensores da prática minimizam a situação atribuindo a ineficácia questionada a um caso isolado.


“A Ciência não é perfeita […], mas é a melhor ferramenta que temos.” Carl Sagan

É claro que a produção científica tem seus limites e que nem tudo precisa ser cientificamente comprovado.

A arte é um exemplo de uma experiência humana que não precisa caber dentro do método científico para ser o que é - mas há trabalhos mostrando os efeitos da arte no cérebro [5]. E é justamente por isso que cada um pode perceber a mesma obra de arte de diferentes maneiras. Outro exemplo são as religiões, que não se propõem a ser científicas. A vasta maioria, até onde eu sei, não quer se legitimar a partir de falácias ou de narrativas científicas. São discussões de outra ordem.

A questão fica mais complexa, entretanto, quando falamos de saúde, porque, nesse caso, vidas podem ser colocadas em risco pelo discurso charlatão das pseudociências. A área da saúde tem sido cada vez mais permeada por práticas sem comprovação científica e com uma fala muito tentadora demonizando a medicina alopática. Além disso, os defensores dessas práticas místico-exotéricas, muitas vezes o fazem associando-as a recentes desenvolvimentos da ciência [4], tornando o discurso ainda mais atraente.

Se aparecer um prefixo "neuro" ou um sufixo "quântico" então, desconfie de cara!

Muitos pacientes podem tardar a buscar ajuda ou até mesmo abandonar tratamentos com comprovação científica a fim de se aventurar por essas abordagens pseudocientíficas. Pior, algumas dessas práticas, sob o argumento de serem "naturais", podem fazer trazer riscos à saúde, visto que seus efeitos nunca foram sistematicamente avaliados.

O problema fica ainda mais grave quando falamos de saúde mental. Por quê? Simplesmente porque os efeitos danosos dessas "terapias" muitas vezes demoram a aparecer e fica mais fácil para seus defensores saírem pela tangente e se eximirem da responsabilidade, que se perde no tempo. Agora, experimente apenas canalizar energias boas ou tomar um shake milagroso para tratar uma tuberculose ou uma infecção urinária e veremos em quanto tempo concluiremos que a abordagem deveria ter sido outra.

Encarar um processo psicoterapêutico validado pode ser incômodo, "doer", além de ser, geralmente, custoso. Em paralelo, há também uma série de desinformação e de estigma quanto ao uso de medicações psiquiátricas, replicada sempre pelos que recorrem ao lado ruim da história da psiquiatria e aos interesses capitalistas da indústria farmacêutica - que, aliás, é fortemente regulada pelas instituições governamentais e precisa investir em pesquisa para provar a eficácia de seus medicamentos.

Gostaria de ressaltar que todo mundo pode crer no que quiser e se submeter ao que acredita. Não é isso que está em discussão aqui. Estou tratando de práticas que se beneficiam de um discurso científico para ludibriar uma série de pessoas, geralmente desinformadas.

Penso que, sob o ponto de vista do profissional de saúde, é preciso se ético e responsável com a saúde de nossos pacientes e com a dos que confiam nas informações que tornamos públicas. Afinal, foi justamente essa falta de comunicação e de clareza na relação profissional-paciente que tornou fértil o terreno para o crescimento dessas pseudociências.

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Referências

  1. HANSSON, Sven Ove. Science and pseudo-science. 2008.
  2. POPP, Maria et al. Ivermectin for preventing and treating COVID‐19. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 7, 2021.
  3. CORTEGIANI, Andrea et al. A systematic review on the efficacy and safety of chloroquine for the treatment of COVID-19. Journal of critical care, v. 57, p. 279-283, 2020.
  4. DE VASCONCELLOS, Maria José Esteves. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Papirus Editora, 2003.
  5. BOLWERK, Anne et al. How art changes your brain: Differential effects of visual art production and cognitive art evaluation on functional brain connectivity. PloS one, v. 9, n. 7, p. e101035, 2014.

 


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