Um artigo publicado em dezembro no periódico European Child & Adolescent Psychiatry demonstrou uma associação entre a pobreza na infância e maior propensão para desenvolver transtornos mentais externalizantes na juventude, como déficit de atenção e hiperatividade, especialmente entre mulheres.
O trabalho utilizou dados de uma coorte prospectiva de jovens durante aproximadamente sete anos, sendo 1590 estudantes de escolas públicas de Porto Alegre e de São Paulo, que participaram de três etapas de avaliação, sendo a última delas entre 2018 e 2019. Esses estudantes fazem parte de uma grande pesquisa de base comunitária, que segue 2511 famílias com crianças e jovens desde 2010 dentro do Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância (BHRC), idealizado pelo Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para a Infância e Adolescência (INPD).
Os diagnósticos psiquiátricos foram feitos através da Avaliação de Desenvolvimento e Bem-estar (DAWBA, na sigla em inglês), aplicada na infância, depois na adolescência (idade média de 13 anos e 5 meses) e, posteriormente, na faixa etária dos 18 anos. O estudo considerou tanto distúrbios externalizantes quanto internalizantes, como depressão e ansiedade. No entanto, não houve registro significativo no resultado geral para estes últimos.
Os pesquisadores concluíram que a pobreza multidimensional e a exposição a situações estressantes como mortes e conflitos familiares são fatores de risco evitáveis que precisam ser encarados ainda na infância para que seja possível reduzir o impacto de transtornos mentais na fase adulta. Foram considerados também as condições de moradia e infraestrutura das famílias, o nível educacional dos pais, acesso a serviços básicos, e outros fatores.
Crianças pertencentes a famílias com piores condições socioeconômicas chegaram a ter níveis de transtornos externalizantes menores do que as de famílias não pobres no início do acompanhamento. No entanto, após alguns anos a curva se inverteu, com um crescimento constante dos distúrbios entre crianças de famílias pobres. A probabilidade de apresentar problemas entre elas foi de 63%, enquanto entre as de não pobres diminuiu no período, o que demostra a importância das etapas de acompanhamento incluídas no estudo.
Os autores do artigo destacaram que, em análises estratificadas por gênero, a pobreza infantil teve consequências mais danosas para as mulheres. Em geral, os transtornos externalizantes são mais comuns em homens. Os autores do estudo supõem que as meninas pobres têm menos probabilidades de diagnóstico precoce de problemas, seja na família ou na escola. Além disso, elas assumem mais tarefas desde cedo em casa, como cuidar de irmãos mais novos e de pessoas doentes. Essa sobrecarga as expõem a um maior número de situações estressantes, fato que pode aumentar as chances de que elas apresentem problemas mentais quando adultas.
Os autores do estudo concluem que, uma vez que os transtornos externalizantes podem ter impactos de longo prazo na saúde e nos resultados sociais durante a vida adulta, a relevância das ações contra a pobreza ainda no início da vida deve ser adereçada com mais força pelos órgãos e sociedade em geral.
Referências:
Ziebold C, Evans-Lacko S, Andrade MCR, Hoffmann M, Fonseca L, Barbosa M, Pan PM, Miguel E, Bressan R, Rohde LA, Salum G, Schafer J, de Jesus Mari J, Gadelha A. Childhood poverty and mental health disorders in early adulthood: evidence from a Brazilian cohort study. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2021 Dec 2. doi: 10.1007/s00787-021-01923-2. Epub ahead of print. PMID: 34853911.
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