Dra. Roberta Fittipaldi é médica pneumologista, pesquisadora em ventilação mecânica, que trabalha nas principais UTIs da cidade de São Paulo e é professora da curso Ventilação Mecânica Online na Academia Médica.
A excelência no ensino médico é um hábito que deve ser estudado, refinado e otimizado a cada dia. O ensino da terapia intensiva nas UTIs dos hospitais de ensino é um desafio ao médico/instrutor devido ao ambiente dinâmico repleto de pacientes graves, onde as tomadas de decisão são complexas e o nível de estresse é elevado.
Desde que comecei meu trabalho como médica assistente na UTI Respiratória INCOR/FMUSP, venho me desafiando a entender e melhorar o ensino da terapia intensiva à beira do leito do doente crítico, pois diariamente temos residentes de medicina, internos, estagiários e diversos profissionais da área de saúde, com diferentes graus de conhecimento e diferentes habilidades.
Um ponto importante nessa discussão é saber quais as habilidades e competências que o aluno e/ou residente precisa desenvolver durante a sua estadia na UTI. Nesse ponto, apesar da literatura escassa, todos os estudos concluem que para adquirir habilidades de um intensivista, os alunos precisam primeiramente entender o funcionamento da UTI, a dinâmica e interação cordial com a equipe multiprofissional, horários de rounds, o contato com as famílias, a correta abordagem com familiares e pacientes sobre quadros clínicos, procedimentos, prognósticos e tratamento. Por outro lado, o treinamento adequado de procedimentos e manuseio de equipamentos também é fundamental. Além, é claro, das habilidades na assistência ao doente crítico.
A prática do ensino da terapia intensiva precisa ser à beira do leito. Esse é o substrato do aprendizado: entender a fisiopatologia, as alterações clínicas, intervir de forma precisa e eficaz para o correto diagnóstico e tratamento. Dessa forma, diversos estudos abordam técnicas rápidas e práticas para o médico/instrutor aplicar à beira leito. A seguir, faço um breve resumo de como nós educadores, ou mesmo médicos da terapia intensiva que lidamos com alunos podemos aplicar essas técnicas no dia a dia.
1. Ensino sob pressão
A pressão e o tempo curto às vezes impedem o médico/instrutor de se dedicar ao ensino, porém, neste artigo da revista Chest (1) é sugerido o modelo de "1-minute-preceptor". O modelo consiste em perguntas rápidas que possam ser feitas durante o round para estimular o raciocínio e pensamento crítico do aluno.
- Inciar perguntando qual a opinião do aluno sobre o caso, ensinar regras gerais, provar as evidencias, reforçar e premiar as respostas corretas, corrigir erros.
- Estimular, aprofundar o conhecimento com textos, apresentações, artigos.
- Usar exemplos prévios para chamar a atenção e focar naquilo que é importante. Utilizar desenhos simples (figuras, flow charts, algorítmos), considerar "gamification" para encorajar a participação dos alunos e engajamento da equipe e evitar discursos longos.
2. Impacto máximo no menor tempo possível
Carlos et al(2), em 2016, desenvolveu quatro estratégias mnemônicas para otimizar o ensino na terapia intensiva. A abordagem CARE é fácil de ser memorizada e aplicada e consiste em:
- C (Clima): comece avaliando as expectativas do paciente e peça permissão para conversar com ele e alunos, preparar previamente as expectativas dos alunos ao abordarem o paciente, explicar corretamente o quadro clínico para o paciente sem utilizar "jargões médicos", encorajar a participação dos alunos na interação com o paciente.
- A (Atenção): planejar antecipadamente as discussões, manter alunos focados no momento (evitar distrações externas, exceto urgências), manter o conteúdo relevante para todos os alunos (residentes, internos, estagiários), saber liderar.
- R (Raciocínio): encorajar a criação de hipóteses, fazer perguntas relevantes sobre o caso, evitar "adivinhações", criar caminhos para que os alunos cheguem às suas próprias conclusões pensando fisiopatologicamente.
- E (Evaluation - avaliação): evitar críticas direcionadas, encorajar a reflexão e aprofundamento do tema, fornecer feedback aos alunos e estar aberto ao feedback dos alunos.
3. Ensinando procedimentos
Precedimentos são pontos fundamentais para o intensivista. Aprender a técnica correta e saber resolver as possíveis complicações é importantíssimo para o aluno. Saweyer et al.(3) propõe em seu artigo algumas técnicas de ensino de procedimentos:
- Leitura e apresentação de vídeos
- Observar o instrutor realizar o procedimento
- Praticar em um simulador
- Supervisão direta da técnica no paciente
- Promover a educação continuada.
Sabemos que os desafios do ensino da terapia intensiva no Brasil são muitos: unidades com poucos recursos, médicos/instrutores não capacitados para o ensino, dificuldade de praticar em simuladores, tempo curto, desvalorização do médico/instrutor se dedicar ao ensino.
No entanto, sabemos que o aperfeiçoamento do ensino a beira do leito é ponto fundamental na formação de alunos e residentes de terapia intensiva. Tal prática permite ao aluno: entender a dinâmica da UTI, o processo fisiopatológico, ser resolutivo nas situações críticas, ter empatia com os membros da equipe multidisciplinar, aprender a ser líder e futuramente transmitir todo o conhecimento adquirido ao longo dos anos para a formação de futuros intensivistas.
Referências
- Pratical Tips for ICU bedside teaching. Chest oct 2018.
- Maximal Impact in Minimal time. Ann Am Thorac Soc. 2016; 13(4) 545-48
- Learn, see, practice, prove, do, maintain: an evidence-based pedagogical framwork for procedural skill training in medicina. Acd Med 2015;90(8):1025-33
Leia também os outros artigos da série sobre Ensino Médico, publicado pela Dra. Roberta Fittipaldi.
- A neurociência como aliada ao ensino médico
- O efeito "Times Square" e como ele pode afetar a memória e o aprendizado
- Aprendizado e leitura em tempos de Google
- Motivação como substrato para o ensino médico
- Incorporando a metacognição no processo de aprendizado
Problem-Based Learning (PBL): analisando o centro do problema
Curso de Ventilação Mecânica Online com Dra. Roberta Fittipaldi
Roberta Fittipaldi é colaboradora da Academia Médica e professora do curso Ventilação Mecânica Online, uma um curso para se manter atualizado e ainda aprender de vez Ventilação Mecânica, com o intuito de melhorar a qualidade e segurança do paciente, intensivo ou não, que necessita de suporte ventilatório.
É também doutora em Ventilação Mecânica pela FMUSP, especialista em Educação Medica pela Harvard TH Chan e médica das UTIs respiratórias do HIAE e Incor.
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