O câncer é a segunda principal causa de morte em todo o planeta. Muitas vezes podemos pensar que o desenvolvimento de um tumor se deve exclusivamente à herança de algum gene defeituoso ligado à replicação celular, mas hoje sabemos que a exposição a fatores de risco desempenha um papel fundamental na biologia e na carga de muitos tipos de câncer. Não existem certezas absolutas ainda sobre as causas exatas do câncer, e nem todo caso ou morte é evitável, mas existem fatores de risco que podem aumentar a chance das pessoas desenvolvê-lo.
O tabagismo, o uso de álcool e um índice de massa corporal (IMC)
alto
são os maiores contribuintes. No total, os fatores de risco são responsáveis por quase 4,45 milhões de mortes por câncer por ano, de acordo com um artigo publicado em 18 de agosto no periódico The Lancet, que utilizou dados do estudo Global Burden of Diseases, Injuries and Risk Factors (GBD) 2019.
Os autores investigaram 34 fatores de risco comportamentais, metabólicos, ambientais e ocupacionais e como eles contribuíram para 23 tipos de câncer. Mudanças na carga de câncer entre 2010 e 2019 devido a fatores de risco também foram avaliados. As estimativas da carga de câncer foram baseadas na mortalidade e anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs), um parâmetro que mensura anos de vida perdidos por morte e anos vividos com incapacidade devido a alguma doença.
Além das 4,45 milhões de mortes por câncer, que representaram 44,4% de todas as mortes por câncer em 2019, os fatores de risco incluídos na análise representaram 105 milhões de DALYs de câncer globalmente para ambos os sexos em 2019. Fatores de risco comportamentais (como tabagismo, uso de álcool, sexo inseguro e dieta inadequada) foram responsáveis por 3,7 milhões de mortes e 87,8 milhões de DALYs em 2019.
De acordo com o estudo, quase 2,88 milhões de mortes em homens (50,6 % de todas as mortes por câncer no sexo masculino) pode ser atribuída aos fatores de risco estudados, em comparação com 1,58 milhão de mortes em mulheres (36,3% de todas as mortes por câncer feminino). Os principais fatores de risco globalmente para mortes por câncer e problemas de saúde para ambos os sexos foram o tabagismo, uso de álcool e IMC elevado, nesta sequência de importância.
Os cânceres de traqueia, brônquios e pulmão representaram 36,9% de todas as mortes por câncer atribuíveis a fatores de risco para ambos os sexos. Em segundo lugar, figura o câncer de cólon e reto (13,3%), seguido por câncer de esôfago (9,7%) e câncer de estômago (6,6%) em homens, e câncer de colo do útero (17,9%), câncer de cólon e reto (15,8%) e câncer de mama (11%) em mulheres.
Os pesquisadores encontraram, no entanto, diferenças em duas categorias entre homens e mulheres. Com riscos comportamentais, os homens (33,2%) tiveram quase quatro vezes os DALYs de câncer atribuíveis ao tabagismo do que as mulheres (8,9%). Para o uso de álcool, os homens (7,4%) apresentaram mais de três vezes os DALYs de câncer do que as mulheres (2,3%). Isso reflete diretamente os hábitos da população masculina, que são mais propensos a fumar e beber em excesso quando comparados com mulheres.
Ao examinar os riscos ambientais e ocupacionais, os pesquisadores descobriram que os DALYs atribuíveis ao câncer foram três vezes maiores entre os homens (3,9%) do que as mulheres (1,3%), o que pode indicar que os homens podem ser mais propensos do que as mulheres a trabalhar em locais com maior risco de exposição a agentes cancerígenos.
Problemas de saúde atribuídos a fatores de risco ambientais e ocupacionais, comportamentais e metabólicos aumentaram com a idade, atingindo o pico na 7ª década de vida. Desta forma, os pesquisadores observaram que países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) maior tendem a atingir o pico de incidência em idades mais avançadas.
Em 2019, as mortes por câncer (25,4%) e as mortes por câncer atribuíveis ao risco (26,5%) em todo o mundo ocorreram desproporcionalmente em países com alto IDH, embora esses países representassem apenas 13,1% da população global. As cinco regiões com as maiores taxas de mortalidade por câncer devido a fatores de risco foram Europa Central, Ásia Oriental, América do Norte de alta renda, Sul da América Latina e Europa Ocidental. Por outro lado, a prática de sexo inseguro foi o principal fator de risco para problemas de saúde em locais com menor IDH.
Os autores reconhecem, no entanto, algumas limitações de seu estudo que são, em sua maioria, inerentes às fontes de dados e ao conhecimento disponível. Devido à falta de dados, há maior incerteza em relação às estimativas para países com IDH inferior em comparação com países desenvolvidos. Além disso, os resultados do estudo foram estimados antes da pandemia de COVID-19 e, portanto, avaliar seu impacto na carga de câncer atribuível ao risco é um fator importante para pesquisas futuras.
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Referências:
GBD 2019 Cancer Risk Factors Collaborators. The global burden of cancer attributable to risk factors, 2010-19: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet. 2022 Aug 20;400(10352):563-591. doi: 10.1016/S0140-6736(22)01438-6. PMID: 35988567. Disponível em https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(22)01438-6/fulltext