Os rastreadores de atividade wearables que monitoram mudanças na temperatura da pele e nas frequências cardíaca e respiratória, combinados com inteligência artificial (IA), podem ser usados para detectar a infecção por COVID-19 dias antes do início dos sintomas, sugere uma pesquisa publicada no periódico BMJ Open.
Uma das principais formas de controlar a disseminação do SARS-CoV-2 envolve programas de identificação, rastreamento e isolamento. Com o surgimento de várias cepas variantes do SARS-CoV-2, os países priorizaram o lançamento de vacinas, a busca por alternativas à quarentena e a identificação de indivíduos com COVID-19.
Sabe-se da necessidade de identificar casos potenciais antes do início dos sintomas para prevenir a transmissão do vírus. Pacientes assintomáticos tendem a ignorar as precauções de segurança, levando ao aumento da transmissão do vírus. A detecção de COVID-19 durante o estágio assintomático ou pré-sintomático facilita o isolamento precoce, limitando assim o contato com indivíduos suscetíveis.
Embora os testes, principalmente o RT-PCR, sejam utilizados para confirmar infecções, a logística e os custos de repetir testes nas populações são importantes obstáculos. Desta forma, outras formas de detecção precoce de casos de COVID-19, como o uso de pulseiras inteligentes e smartwatches, se tornam importantes ferramentas no combate à propagação da doença.
Os autores da pesquisa, membros do COVID-19 remote early detection (COVID-RED) consortium, baseiam suas descobertas em usuários da pulseira AVA, um rastreador de fertilidade já regulamentado e disponível comercialmente que monitora a frequência respiratória, a frequência cardíaca, a variabilidade da frequência cardíaca, a temperatura da pele do pulso e o fluxo sanguíneo, bem como a qualidade do sono e a quantidade de horas dormidas.
Tal dispositivo wearable foi escolhido porque seus dados já haviam sido anteriormente utilizados para informar um algoritmo de machine learning para detectar os dias mais férteis das mulheres em tempo real, atingindo 90% de precisão.
Os pesquisadores, portanto, avaliaram se as alterações fisiológicas que o SARS-CoV-2 causa, monitoradas pela pulseira AVA, poderiam ser usadas para desenvolver um algoritmo de aprendizado de máquina para detectar a infecção por COVID-19 antes do início dos sintomas.
Os participantes (1163 no total, todos com menos de 51 anos) foram selecionados a partir do estudo GAPP (Genetic and Phenotypic Determinants of Blood Pressure and Other Cardiovascular Risk Factors) entre março de 2020 e abril de 2021. O GAPP, que começou em 2010, visa compreender melhor o desenvolvimento de fatores de risco cardiovascular na população geral de Lichtenstein.
Os participantes usavam a pulseira AVA à noite. O dispositivo avalia dados a cada 10 segundos e requer pelo menos 4 horas de sono relativamente ininterrupto. Os pacientes, ao acordarem, sincronizaram as informações do dispositivo com um aplicativo de smartphone ao acordar.
Os participantes usaram o aplicativo para registrar quaisquer atividades que possam potencialmente alterar o funcionamento do sistema nervoso central, como álcool, medicamentos prescritos e drogas recreativas, e também registrar possíveis sintomas de COVID-19.
Todos fizeram testes rápidos regulares de anticorpos para SARS-CoV-2, o vírus responsável pela infecção por COVID-19. Pacientes com sintomas indicativos também foram submetidos a um teste de RT-PCR.
Os participantes também forneceram informações pessoais sobre idade, sexo, tabagismo, grupo sanguíneo, número de filhos, exposição a contatos domésticos ou colegas de trabalho que testaram positivo para COVID-19 e status vacinal.
Cerca de 127 pessoas (11%) desenvolveram infecção por COVID-19 durante o período do estudo. Não houve diferenças nos fatores de fundo entre aqueles cujos testes tiveram resultado positivo ou não, mas uma proporção significativamente maior daqueles que disseram ter estado em contato com membros da família/regulares ou colegas de trabalho que também tinham COVID-19.
Dos 127 que testaram positivo para COVID-19, 66 (52%) usaram a pulseira por pelo menos 29 dias antes do início dos sintomas e foram confirmados como positivos pelo teste de PCR, por isso foram incluídos na análise final.
Os dados de monitoramento revelaram, de acordo com os autores, mudanças significativas em todos os cinco indicadores fisiológicos durante os períodos de incubação, pré-sintomáticos, sintomáticos e de recuperação da COVID-19 em comparação com as medições de linha de base. Os pacientes apresentaram sintomas da COVID-19 por uma média de 8,5 dias.
Usando machine learning, um algoritmo foi 'treinado' em 70% dos participantes que deram positivo para SARS-CoV-2 e depois validado (testado) nos 30% restantes para detectar a infecção por COVID-19 até 2 dias antes do início dos sintomas.
Cerca de 73% dos casos positivos confirmados em laboratório foram detectados pelo algoritmo até 2 dias antes do início dos sintomas, dado que demonstra a aplicabilidade da técnica como forma de detecção precoce de COVID-19, embora o teste de PCR continue sendo o padrão-ouro para confirmar a infecção por COVID-19.
Os pesquisadores reconhecem, no entanto, que seus resultados podem não ser mais amplamente aplicáveis, uma vez que somente uma pequena amostra de pacientes, todos relativamente jovens, foi utilizada no estudo. Ademais, a precisão (sensibilidade) alcançada foi inferior a 80%.
E eles concluem: “A tecnologia de sensor vestível é um método fácil de usar e de baixo custo para permitir que os indivíduos rastreiem sua saúde e bem-estar durante uma pandemia. Nossa pesquisa mostra como esses dispositivos, em parceria com a inteligência artificial, podem ultrapassar os limites da medicina personalizada e detectar doenças antes da ocorrência de sintomas, reduzindo potencialmente a transmissão de vírus nas comunidades”.
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Referências:
Risch M, Grossmann K, Aeschbacher S on behalf of the COVID-19 remote early detection (COVID-RED) consortium, et al. Investigation of the use of a sensor bracelet for the presymptomatic detection of changes in physiological parameters related to COVID-19: an interim analysis of a prospective cohort study (COVI-GAPP) BMJ Open 2022;12:e058274. doi: 10.1136/bmjopen-2021-058274 Disponível em https://bmjopen.bmj.com/content/12/6/e058274