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Gabinete de Curiosidades Médicas: Henry Meige e A Pedra da Loucura

Gabinete de Curiosidades Médicas: Henry Meige e A Pedra da Loucura
Jocê Rodrigues
out. 8 - 4 min de leitura
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Bem-vindos à série "Gabinete de Curiosidades Médicas"! Aqui você vai encontrar fatos curiosos, sombrios ou interessantes sobre a história da medicina e das artes. Prepare-se para um encontro inesperado com médicos, escultores, pintores, filósofos que se unem para contar um pouco das inusitadas intersecções, costuras e remendos entre ciência, medicina e literatura no Século XIX.

Vamos lá?

A busca pelas raízes de enfermidades mentais não é exclusividade da especialidade médica conhecida como neurologia, capitaneada na segunda metade do século XIX por nomes como Jean-Martin Charcot (na França), Wilhelm Erb  e Hermann Oppenheim (na Alemanha). Mas isso é mera formalidade histórica.


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No século XV, era comum a crença de que todos os tipos de desordem mental tinham um único responsável: o diabo, o tinhoso, o pé fendido, o… vocês já entenderam. Entretanto, também já se falava, em escala muito menor, é claro, sobre a possibilidade de que essas enfermidades talvez pudessem estar relacionadas mais ao corpo do que ao espírito. Mais especificamente, que elas advinham diretamente do cérebro.

Para a nossa surpresa, essa tendência pode ser notada mais fortemente, não apenas nos textos médicos do período, mas principalmente nas pinturas produzidas na região dos Países Baixos durante os séculos XVI e XVII.

Nessa época, eram populares as intervenções cirúrgicas para a retirada da chamada “pedra da loucura”. Procedimento retratado em inúmeras obras de mestres como Pieter Huys, Pieter Quast, Pieter Bruegel e Hieronymus Bosch. Uma cirurgia de aparência complicada, mas que nada mais era do que uma grande encenação, uma farsa.

Entre os séculos IX e X da Era Comum, o médico persa Rhazes já dava uma de Mister M. e saía desmascarando os truques dos charlatões da sua época, que diziam ser capazes de curar pessoas com epilepsia por meio de um procedimento cirúrgico onde, com técnicas de prestidigitação a la David Blaine, fingiam retirar objetos de dentro da cabeça dos pacientes mais ingênuos. 

Um dos primeiros a se interessar por essas falsas cirurgias no Ocidente foi o neurologista francês Henry Meige, que havia estudado sob a orientação de Charcot e que dedicou boa parte de seus esforços intelectuais ao tema. De fato, ele foi o primeiro a reunir pinturas sobre o procedimento da retirada da pedra da loucura, apelidada por ele de pierre de tête, presentes no livro “Les Peintres de la Médecine (Écoles Flamande et Hollandaise): les pédicures au XVII siècle”, de 1897. Em um ensaio sobre essa curiosa cirurgia, ele assim definiu o procedimento: 

“A operação fictícia visava libertar os doentes de uma pedra que eles acreditavam — ou se lhes dizia — encerrada no crânio e ao qual estavam filiados os seus males. Uma pequena incisão da pele era seguida de uma manobra com as mãos, graças à qual o cirurgião fazia cair, sob os olhos do paciente, uma pedra, que trouxera escondida numa das mãos e que afirmava haver saído da cabeça. Realizada a comédia, o crédulo operado se retirava satisfeito, senão curado". 

Ainda que para nós, os “esclarecidos” e “iluminados” deste século de tantas maravilhas, soe como um absurdo acreditar em algo do tipo, é preciso lembrar que, ao contrário do que gostaríamos, os caminhos da História não são lineares e que “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. 

Quando consideramos alguns outros costumes populares da época, como a intensa perseguição às bruxas e aos loucos e melancólicos como crias do demônio, ligar a causa da insanidade a um fator físico, e não espiritual, não parece retrocesso. Ainda que a falsa cirurgia servisse apenas como placebo nas mãos de alguns aproveitadores, ela era um dos indícios de que a mentalidade médica começava a se transformar.

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