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Mesmo com todo avanço, estamos longe do ideal

Mesmo com todo avanço, estamos longe do ideal
Pedro Helder
out. 29 - 6 min de leitura
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A dois meses de me formar, cheguei a uma conclusão: estamos muito longe do ideal.

Refiro-me à prática médica, não necessariamente à inexperiência, que é normal. Vou explicar meu ponto de vista por meio de uma história, baseada em fatos reais...


Ao longo desses 6 anos, tive contato com 3 “pacientes terminais”. Provavelmente vários de vocês também lidaram com pacientes assim em suas formações médicas. Portanto, qual é a diferença no meu caso?

Eu os conhecia!

Logo no 3º semestre, sem saber nada de clínica ou cirurgia, acompanhei minha avó, que estava a enfrentar um câncer de mama. Dia após dia, tive meus primeiros contatos com o SUS, e em meio ao avançar da doença, experimentei um grito, que eu nunca imaginei experimentar... o grito de socorro nas longas filas. 

Passávamos quase o dia inteiro esperando. O mais legal é que ela não se importava. De verdade. Observava todos, conversando comigo.

Quando o médico chegava, após as longas sessões clínicas, Ela dizia: ai está o meu santo! E os olhos se enchiam de esperança e alegria.

Porém em um dia, tudo desandou... A doença voltou.

Em algum hospital periférico da cidade, onde a medicina se recusa a entrar, um médico jocoso se recusava a aceitar minha avó como sua paciente:
          - Ela é oncológica, eu não sei disso! (Esbravejava)
           - Ela tem dor, não pode simplesmente aliviar? (Questionava)
          - Você quer que eu dê mais morfina?! (Retrucou, como quem jogava para mim a decisão)
          - Estou no terceiro semestre, o médico é o senhor! (pensei comigo mesmo, com muita aflição)

Nesse dia ouvi gritos de dor, que sem nenhum orgulho, ainda me torturam com fervor.

Minha avó pediu-me para levar pra casa. Coloquei-a no banco traseiro, fui destruído por dentro, o caminho inteiro...

Ainda sonolenta, meio desorientada, ao chegar em casa falou:
          - Gostei como enfrentou o doutô!

...

Faleceu alguns dias depois, em uma Santa Casa, entubada, por insuficiência respiratória.


Exatos 2 anos depois, um parente mais distante vem para minha casa, ele gostava muito de mim e toda tarde no interior para ele eu gritava:
          - Como vai seu fulano? A luz da Santa, já ligou? (Ele ligava uma espécie de santuário, todo dia).

Veio para operar. Não deu muito certo, sua doença estava avançada. Foi o velho e questionável: “abriu e fechou”.

O problema foi que não fechou, e por deiscência da ferida operatória, ele caminhou até o seu último dia.

Nunca houve uma conversa franca da equipe assistente com a família e, mais uma vez, eu tentava intermediar algum diálogo sobre paliação. 

A oncologia, que no começo do curso era uma opção, já havia me fadigado antes do terceiro ano da graduação.

Faleceu algumas semanas depois, em casa, com a família ao redor
Senti que, pelo menos dessa vez, alguma dignidade veio para amenizar a dor.


Mais 2 anos - quase como um despertador de 2 em 2 anos para notícias ruins - recebo o informe de que meu avô está com a barriga grande e não quer ir ao médico. Agora perto de me formar, já tinha visto muito paciente e entendia onde eu podia me infiltrar.

Fui de encontro ao vovô teimoso: o que o senhor acha que tem?
          - São gases, meu filho. A barriga chega está grande!
          - Não são gases, vô. É líquido! 

Começa então a investigação. Todo colega, sem nem examinar, tinha o prazer de adivinhar: “É cirrose”, vinha a exclamação!

          - Para que puncionar esse líquido? Vamos deixar como está...

Não se seguia sequer um protocolo que um dia eu passei horas a estudar.

Insisti na investigação, o menos invasivo possível, com aval de todos por ocasião. A cada passo, meio que de longe, eu me antecipava às lacunas. Porém, mesmo assim, as iatrogenias ocorriam e eu ia morrendo um pouco junto...

Quando sabiam que meu avô tinha um neto “quase médico”, o tratamento mudava. Mas se eu, mesmo ciente do que acontecia, sucumbia às sucessivas falhas do sistema, como garantir que o seu Zé, sem instrução alguma, cumpra com aquele esquema?

Nós estamos longe do ideal...

A busca pela impessoalidade, pra mim já não parece normal.
Por que se envolver é errado?
Por que não tratar todos como se o neto fosse estudado?
Será que estamos fazendo medicina simplesmente para nos proteger?
Ou ao invés de pegar um plantão para tampar buracos, não podemos investir esse tempo para os problemas de nossos pacientes resolver?


Avançamos em propedêutica, regredimos em empatia.
Após quase 6 anos, quando algum colega mais novo me pergunta como aliviar a caminhada, eu respondo algo que não sei ao certo qual alívio traz, mas com certeza me fez continuar perante às duvidas!

Todo dia, independente da situação, seja a rotina estressante ou desgastante o seu plantão:

- Se importe com aquilo que faz,
- Se importe com aquele que o busca!
- Se importe!

Ele, seu paciente, está no pior dia de sua vida. Não cabe a nós entrar como coadjuvantes. Você não tem essa permissão, de ser agente passivo da dor.

Parafraseando um dos pais de medicina moderna, William Osler:

Dois pensamentos devem sempre estar em suas mentes:
Como você pode reconhecer melhor e como você pode tratar melhor a doença.

- E o doente...(acrescento, humildemente).

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