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"Nem só de ciência se faz a cura", por Protásio Lemos da Luz

"Nem só de ciência se faz a cura", por Protásio Lemos da Luz
Caroline Ahrens Ortolan
mai. 2 - 7 min de leitura
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“Hoje o exercício da medicina difere muito das práticas passadas. Os enormes avanços tecnológicos melhoraram drasticamente os meios diagnósticos e os tratamentos. Conceitos fundamentais foram revistos; alguns inteiramente eliminados, substituídos. No entanto, o tema central da medicina permanece inalterado: a pessoa humana.”

Protásio Lemos da Luz

No início de 2020, diante das medidas restritivas de combate à pandemia de COVID-19, comprei muitos cursos e livros na esperança de preencher os meus dias e evitar ficar para trás em termos de conhecimento técnico. No entanto, em meio a tantas outras demandas que foram surgindo, muitos livros acabaram apenas acumulando poeira na estante. "Nem só de ciência se faz a cura", obra do cardiologista Protásio Lemos da Luz, foi um destes.

Agora, no início de 2022, após ter vivenciado intensos debates sobre Medicina baseada em evidências, relação médico-paciente, a implantação da telemedicina e, também, por ter avançado no currículo da graduação e estar tendo mais práticas, pude saborear cada página desse maravilhoso livro ao lê-lo pela primeira vez.

O autor, além de possuir um currículo invejável na Medicina e Cardiologia, é também um escritor fantástico — de fato, o livro traz tanta sabedoria ao mesmo tempo, em que é de leitura agradável e fluida, quase como se fosse uma conversa com um amigo querido, que tenho que me conter para não transcrever aqui parágrafos e mais parágrafos.

Como estudante que sou, estou acostumada a grifar partes mais importantes e fazer anotações nas bordas das páginas dos livros. Com "Nem só de ciência se faz a cura", tive imensa dificuldade: a cada página vinham novas reflexões, importantes conhecimentos, profundas críticas e sugestões únicas. Foi  uma tarefa quase impossível decidir o que seria "mais importante" para ser destacado.

Dividida em duas partes (Parte I - Experiências de Consultório; Parte II - Ciência e Universidade), a obra traz capítulos sobre a arte de ouvir e conversar, questões financeiras inerentes à prática da nossa profissão e como lidar com a finitude da vida e a impotência do médico frente a morte.

O autor também discorre sobre a importância do estímulo a mudanças de hábitos (por mais difíceis que estas sejam), aspectos éticos da prática médica e da pesquisa, metodologia científica e também acerca da necessidade de usarmos a parcimônia e o bom senso ao tratarmos de um paciente: “A prática da medicina é a arte da judiciosa aplicação dos conhecimentos médicos para o bem do paciente", especialmente ao se tratar de idosos.

Já no primeiro capítulo, encontramos um tesouro em forma de palavras:

"Não se deve confundir experiência - alguém que fez uma coisa muitas vezes - com excelência, alguém que faz algo da melhor maneira, com maestria. [...] Diferentemente de um problema matemático, o problema médico é como um presente que se recebe; ele vem acondicionado no invólucro da personalidade humana. É preciso penetrar cuidadosamente esse invólucro para saber o que está dentro. [...] Hoje concluo com tranquilidade: devemos tratar primeiro das pessoas, que circunstancialmente estão doentes".

A cada página, torna-se nítido o papel da cardiologia na vida pessoal e profissional do autor. A especialidade sofreu intensa evolução da tecnologia diagnóstica e terapêutica em especial nos últimos anos, e, por se debruçar sobre doenças complexas e geralmente muito graves, embora comuns, a cardiologia é uma especialidade em que o médico frequentemente acompanha seus pacientes em momentos muito delicados. Desta forma, é perfeitamente compreensível o papel que a especialidade teve na formação desta pessoa incrível que é o Dr. Protásio.

“A relação médico-paciente é extremamente complexa, depende de muitas variáveis. Mas duas são fundamentais: compreensão e confiança. Depois existem outras como comunicação, disponibilidade, tolerância, compaixão e honestidade. A compreensão advém da capacidade de o médico se colocar honestamente na posição do doente, de sentir seu sofrimento, comungar da sua angústia e compartilhar de suas esperanças. Ele pode fazer isso de três maneiras:  por natureza, porque é naturalmente compreensivo, caloroso, humano; por cultura, porque estudou o sofrimento humano e assim o entendeu, mesmo que seja de modo indireto; e por fim, ele pode compreender porque já experimentou o sofrimento, já sofreu".

A educação médica também é tema recorrente nesta obra. O graduando de medicina e o profissional já formado, independentemente de há quanto tempo o é, certamente se beneficiarão de todos os aprendizados que nela constam: creio ser impossível sair ileso da leitura de "Nem só de ciência se faz a cura".

O processo da consulta médica, desde o acolhimento do paciente, passando pelo diagnóstico e chegando ao tratamento e, por ventura, cura, é cheio de detalhes e minúcias, e, por isso, há diversas formas pelas quais pode ser refinado.

Na segunda parte do livro, o autor se aprofunda em sua trajetória acadêmica, científica e clínica. Mas não se enganem, leitor e leitora, imaginando que esta se torna tediosa. Descobrir os passos que levaram ao sucesso profissional deste expoente da medicina brasileira é enriquecedor e inspirador. Além disso, há, aqui, um capítulo dedicado a William Osler, no qual mergulha-se nos diversos aspectos da personalidade deste grande médico.

“Numa época como a nossa em que se procura integrar conhecimentos básicos a conceitos clínicos, para tornar as conquistas da ciência básica em instrumentos de aplicação imediata, a atuação de Osler simboliza perfeitamente essa concepção de medicina unificada. Ilustra como o homem de ciência básica pode ser o clínico que trata e o professor que ensina".

"Nem só de ciência se faz a cura" é uma leitura necessária, especialmente em meio a tantas e tão rápidas mudanças na medicina moderna, em que a humanização da prática médica é sempre trazida a tona, ao mesmo tempo, em que precisamos de sobriedade e responsabilidade. 

"O médico pode ser visto como um companheiro solidário no infortúnio, sempre disposto a ajudar o paciente, ou como profissional que, embora competente, fica restrito à verdade científica, esquecido das emoções e sentimentos envolvidos no caso".

Por fim, posso dizer que esta leitura foi imprescindível para que eu me torne cada vez mais como o profissional companheiro. Meu único arrependimento é ter demorado tanto para retirá-lo da estante.

 

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Referência

  1. PROTÁSIO LEMOS DA LUZ. Nem só de ciência se faz a cura: o que os pacientes me ensinaram. São Paulo: Ed Atheneu, 2004.

 

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