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COVID e o fim vida: a videochamada como forma de diminuição da distância dos pacientes terminais - Parte 2

COVID e o fim vida: a videochamada como forma de diminuição da distância dos pacientes terminais - Parte 2
Maria Clara Malta
nov. 10 - 13 min de leitura
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Leia a parte 1 AQUI

A Tecnologia e o fim da vida

A inovação tecnológica vem contribuindo com inúmeras transformações na área da saúde, seja no relacionamento entre médicos e pacientes, na automatização de procedimentos e intervenções cirúrgicas e até mesmo na gestão dos hospitais e clínicas.

Há que se falar em uma mudança na qualidade de vida do paciente e da população quando se trata de inovação tecnológica na saúde. Comparando com anos atrás, é difícil falar em qualidade de tratamentos e inclusive de tratamento humanitário, relacionado a disposição de vontade do paciente, tratamentos minimamente interventivos até mesmo paliativos.

A tecnologia é parte fundamental da história da medicina. É por meio dela, principalmente, que os principais avanços na área foram alcançados.

O desenvolvimento de novas tecnologias tem como corolário um aumento no consumo de atos médicos e de medicamentos. A medicalização do social pode ser referida à redescrição médica de eventos como gravidez parto, menopausa, envelhecimento, e de comportamentos sociais tidos como desviantes. Em suma, a medicalização tanto pode ser compreendida como a ampliação de atos, produtos e consumo médico como a interferência crescente da medicina no cotidiano individual, através da imposição de normas de conduta social (Corrêa, 2001, p. 24).

Pensar a medicalização implica necessariamente considerar a interferência da prática e do discurso médicos na construção dos sentidos e significados das ideias de vida e de processos vitais, tais como saúde, doença e morte.

O Ministério da Saúde (MS) após a pandemia do novo coronavírus, precisou se adaptar drasticamente e vem adotando novas formas de utilização das Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs) afim de auxiliar na diminuição da propagação do vírus, mas sempre levando em consideração as particularidades do paciente durante as medidas de distanciamento social e nos casos de isolamento domiciliar. 

É nesse contexto que a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps/MS) passou a indicar o uso do teleatendimento como forma de oferecer cuidado qualificado aos cidadãos sem que haja exposição desnecessária ao vírus, tanto para o paciente quanto para os profissionais de saúde. 

O teleatendimento pode ser feito por telefone e WhatsApp. As consultas a distância devem seguir protocolos já estabelecidos e ser realizadas através de escuta qualificada e avaliação de resultados de exames. Outra forma de colocar em prática o teleatendimento é usando as redes sociais para convidar os usuários cadastrados em sua unidade de saúde a participar de grupos virtuais de acolhimento e até de grupos de atividade física em tempo real. Nesses espaços, os profissionais podem compartilhar, com a comunidade que habitualmente atendem, cuidados terapêuticos e informações relacionadas à saúde. 

De acordo com o secretário de Atenção Primária à Saúde, Erno Harzheim, a oferta de teleatendimento ajuda no enfrentamento da COVID-19, levando informações e orientando sobre o momento oportuno de procurar a rede de atenção, além de dar continuidade ao cuidado que já era oferecido nas unidades de saúde da APS diariamente. “Queremos evitar ao máximo o esgotamento dos serviços presenciais de saúde, e contamos com auxílio remoto dos profissionais de saúde, evitando, assim, a contaminação da frente de trabalho no enfrentamento da pandemia e a transmissão do vírus”, afirma o dirigente da Saps/MS. 

Teleatendimento na prática 

Para executar o serviço, os gestores locais e profissionais das equipes de saúde da APS precisam seguir algumas recomendações: 

•          O teleatendimento pode ocorrer por meio de computador, celular ou telefone fixo de uso institucional ou pessoal; 

•          O gestor municipal deve dar condições para que os receituários emitidos por esses profissionais cheguem a esses pacientes de forma eletrônica ou física; 

•          O gestor pode usar recursos do programa de apoio à informatização da Atenção Primária para contratação em comodato dos equipamentos que vão permitir a realização dos teleatendimentos; 

•          Os teleatendimentos devem ser registrados no Prontuário Eletrônico do Cidadão ou nas Fichas de Coletas de Dados Simplificadas (CDS), da mesma forma que as consultas presenciais; o gestor local deve garantir condições para realização dos registros. 

A assistência deve ser pautada na necessidade do usuário, sempre respeitando a longitudinalidade e a integralidade do cuidado. Se durante a consulta for observada a necessidade, o profissional deverá avaliar a urgência do caso e solicitar atendimento presencial. 

O atendimento clínico a distância é entre profissional de saúde e paciente. O Ministério Saúde publicou a Portaria nº 467, de 20 de março, para permitir, em caráter temporário e excepcional, a interação direta remota entre profissionais de saúde e pessoas usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), da saúde suplementar e privada. 

No que tange ao paciente internado e isolado devido na tentativa de minimizar a transmissão do vírus, os profissionais da medicina vêm adotando práticas tecnológicas e personalizadas de acordo com a demanda de cada paciente. A intenção dos profissionais, ao atuarem com tecnologias é finalmente proporcionar ao paciente um tratamento humanizado e acolhedor.

Os profissionais oferecem uma nova maneira de aproximar os internados de seus familiares:  a realização das videochamadas servem como um estímulo emocional para os pacientes, elas os fortalecem, faz com que sintam amados e traz mais força para os familiares e o próprio paciente superar a doença; Manter este vínculo afetivo durante este processo auxilia muito no enfrentamento da doença”, destaca a profissional.

A partir de dados levantados em UTI's de todo o Brasil, os enfermeiros relatam que quando os pacientes encontram-se lúcidos, mais estabilizados, eles podem usufruir das videochamadas, quando estão em situação de ventilação mecânica, essas são feitas pelos enfermeiros e técnicos e somente são realizadas a partir da autorização dos familiares.

E a ligação vai além de mostrar o estado do paciente, a enfermeira conta que os familiares também visualizam todos os medicamentos que o paciente está recebendo, e também podem acompanhar as orientações prestadas pelos médicos.

Por essas questões, é de extrema importância atentarmos para o movimento dos tratamentos humanizados, que tentam resgatar e resguardar os direitos humanos na ação de cuidar das pessoas. Com um diálogo transparente, respeitoso e justo, alertando para a necessidade do uso das tecnologias que em alguns casos podem ser consideradas invasivas (que sempre podem ser também nefastas) com bom senso, a nosso favor e não contra nossas vidas, promovendo a aceitação do inevitável, com a possibilidade de um tratamento digno e mais real.

Privacidade, intimidade, dignidade e humanidade

Não nos restam dúvidas de que a medicina é uma das áreas que mais se transformou nos últimos anos, juntamente com tal evolução, surgiram novas ideias, opiniões, e principalmente tecnologias que nos auxiliam na compreensão dos processos médicos da vida humana.

Compreender a vida humana e todos seus processos faz parte de um fenômeno que jamais poderá ser interpretado apenas por conceitos e explicações no que tange aos acontecimentos naturais inerentes a vida e morte. De alguma forma, apesar de todos os avanços trazidos pela medicina, os ensinamentos deixados por grandes filósofos da profissão ainda fazem parte de maneira mais atual possível dos ideais de condutas médicas:

Curar quando possível, aliviar quando necessário, consolar sempre- Hipócrates, o pai da medicina

Compreender que cuidar de um paciente vai muito além da cura da doença, e principalmente, assimilar a identidade de cada um e suas necessidades para a partir de então operar o processo de fortalecimento do enfermo, é uma premissa básica e etapa primordial de um processo que nem sempre haverá respostas ou consenso, e sim apenas compreensão e adequação a cada particularidade enfrentada por aquele que se encontra adoentado.

E é em um momento tão delicado, onde o paciente acha-se em uma nova realidade, contaminado por uma doença que ainda se sabe muito pouco sobre o mesmo, por questões de prevenção de disseminação do vírus, é privado do contato com aqueles que mais o trazem segurança: seus familiares.

A partir de então, o doente, que está em um contexto de extrema delicadeza, envolvido por uma vulnerabilidade agravada, é exposto a situações onde surgem diversos conflitos de natureza ética, profissional, científica e humanitária, afim de visar sempre a proteção da vida, privacidade e intimidade do paciente.

A relação das videochamadas como parte influenciadora da cura do paciente, surge no momento que tal contato estimula a saída do enfermo do pesado ambiente hospitalar, permitindo um maior contato com familiares, amigos em momentos de angústia e solidão. Momentos como esses, em que o paciente deve ser tratado com uma equipe multidisciplinar composta de médicos, cirurgiões, fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos (os responsáveis por autorizarem o contato dos enfermos com seus familiares através de ligações de vídeo).

Diante de um contexto tão atual e ao mesmo tempo desconhecido, diversos confrontos podem surgir quando o paciente ou familiares autorizam o referido contato. Atualmente, fazemos parte de uma sociedade hiperconectada, o que em alguns momentos faz-se necessários pontuarmos alguns limites da exposição social

Acerca da conduta profissional, questiona-se: o direito à privacidade, à intimidade, e à vida privada do paciente estariam sendo violados através da liberação das videochamadas? Para encontrar essas respostas, é necessário reportarmo-nos aos comandos éticos e deontológicos afim de verificar se tal ato é compatível com e norma legal.

Do ponto de vista legal, a privacidade e intimidade do paciente encontra-se respaldada pelo ordenamento jurídico. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, dispõe que: " são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. O Código Civil, em seu artigo 21, dispõe que: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará providencias necessárias para impedir ou fazer cessar o ato contrário a essa norma."

Quando pensamos em um paciente, sozinho em um hospital, submetido a tratamentos invasivos e privado do contato com seus familiares, precisamos pensar que acima qualquer ato normativo e conduta geral a ser seguida, o paciente a todo tempo é um ser humano, dotado de medos, angustias, receios e sentimentos que vem à tona no momento da internação. Cada situação é uma, cada paciente é único e cada processo de internação tem suas diversas peculiaridades, o que se defende aqui é a inclusão de preceitos normativos como DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITO DO PACIENTE, acima de toda e qualquer outra norma que possa ser considerada norma de conduta geral, e não pessoal.

De certa forma, profissionais da saúde devem pautar seu entendimento adequando-o de acordo com cada peculiaridade de cada caso, o quadro clínico pode até ser o mesmo, mas o paciente não. É nesse contexto que Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes defende:

Esta atitude recomendada por um profissional da medicina, tão singela e aparentemente tão tola, pode realmente salvar muitas vidas do abismo de um processo de luto violento, cruel e desamparado. O amor pela vida, pelo cuidado, pela dignidade humana para todos os seres humanos não vai passar. "

A defesa aqui é pela vida digna, pelo processo humanizado de tratamento de um paciente em situação de vulnerabilidade, que, com muita seriedade, descrição e seguimento de normas de conduta, pode-se levar o paciente a uma melhora na sua condição como doente ou até mesmo uma despedida digna do mesmo aos seus parentes em um momento tão delicado.

Artigos Relacionados 

 

    Referências

    Arantes, Ana Claudia. O Cremesp e as chamadas em vídeo para pacientes com Covid-19: O outro lado. Veja. 2021.  Disponível em:  Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/o-cremesp-e-as-chamadas-em-video-para-pacientes-com-covid-19-o-outro-lado/. Acesso em: 27 jul. 2021.

    longo, Cristina Alves. Direito a boa morte: Uma possibilidade sob à ótica da dignidade da pessoa humana. JUS. 2021.  Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83568/direito-a-boa-morte. Acesso em: 27 jul. 2021.

    MAIS LAUDO. Medicina e Tecnologia: os benefícios dessa relação para instituições de saúde. Mais Laudo. Minas Gerais, 2019.  Disponível em: https://maislaudo.com.br/blog/medicina-e-tecnologia/. Acesso em: 27 jul. 2021.

     Maria Fortaleza Teixeira Ficher, Ana et al. Video chamadas: aproximando paciente, família e equipe durante a internação em tempos de pandemia de COVID-19. REVISTA QUALIDADE HC, São José do Rio Preto, 2020.  Disponível em: https://www.hcrp.usp.br/revistaqualidade/uploads/Artigos/312/312.pdf. Acesso em: 27 jul. 2021.

    SB BIOETICA. NOTA SOBRE A RESOLUÇÃO Nº 437. Brasília, 2021.  Disponível em: http://www.sbbioetica.org.br/uploads/repositorio/2021_05_17/NOTA-SOBRE-A-RESOLUCAO-N-347.pdf. Acesso em: 27 jul. 2021.

    souza, Ana Célia. CONSCIENCIA DA MORTE E TECNOLOGIA. Slowmedicine. 2020.  Disponível em: https://www.slowmedicine.com.br/consciencia-da-morte-e-tecnologia/. Acesso em: 27 jul. 2021.


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