Desde o começo da faculdade de medicina, mesmo durante as matérias do ciclo básico, mas em especial no ciclo clínico, algo me incomodava profundamente: por que aprendemos tanto sobre epidemiologia de doenças, causas, exames diagnósticos e tratamentos por um lado, mas quase não ouvimos os professores falarem sobre promoção à saúde e prevenção dessas mesmas doenças? Por que não gastamos nem 5 minutos das nossas consultas falando sobre hábitos saudáveis para os nossos pacientes? Por que somos ensinados a nos acostumar a não ter tempo para cuidar da nossa saúde?
Muitos podem entrar em teorias da conspiração, dizer que isso ocorre graças à indústria farmacêutica malvada que não quer pessoas saudáveis. Outros podem colocar a culpa nos pacientes e alguns podem dizer que nossos professores estão somente propagando algo que eles mesmos tiveram em sua formação. Afinal, os livros e textos que usamos em nossos estudos são sempre orientados no sentido da doença.
Na minha modesta opinião, acho que nenhuma das sugestões acima é precisamente a resposta, até mesmo porque, talvez não haja um único motivo específico, e nem tenho certeza mesmo de que esta forma de ensino e aprendizado seja completamente equivocado.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu, em 1946, "saúde" como sendo um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Acredito que esta definição já está mais do que ultrapassada, pois não considera os aspetos econômicos, espaciais, ambientais, espirituais e culturais que são tão importantes para que possamos viver bem.
Ora, não faz sentido pensar que as pessoas que vivem em insegurança alimentar, em risco de serem despejadas de sua moradia ou que são refugiados ambientais tenham saúde, certo? Por outro lado, esta definição sempre me incomodou pelo seguinte motivo: quem, neste planeta, se encontra sempre perfeitamente bem física, mental e socialmente? Ora, se briguei com uma amiga ou estou ansiosa por uma prova, já não estou mais no meu "completo bem-estar", mas isso não significa que eu não seja saudável.
Posto isso, acho que vale mais a pena falarmos sobre "vida saudável" do que discutir um conceito tão desafiador quanto o da saúde.
Neste sentido, ressalto os já conhecidos 6 pilares pregados pela Medicina do Estilo de Vida. Ela utiliza abordagens terapêuticas de estilo de vida baseadas em evidências, como:
• Adoção de um padrão alimentar predominantemente baseado no consumo de alimentos vegetais e integrais;
•Prática regular de atividade física e diminuição do comportamento sedentário;
•Sono adequado;
• Administração do estresse;
• Evitar uso de substâncias de risco como álcool, tabaco e outras drogas;
• Cultivo de relacionamentos saudáveis, com a intenção de prevenir, tratar e, por vezes, reverter doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), tão prevalentes em nosso meio.
Estudos indicam que, com a adoção concreta destes pilares, seria possível evitar 91% dos casos de diabetes, 81% dos de infarto, 50% dos de acidente vascular cerebral e 36% dos de câncer.
Por esse ângulo, me parece bastante pertinente que os estudantes e profissionais de medicina e de outros cursos da área de saúde aprendam, de forma consistente e ao longo de toda a sua formação, os pilares da promoção de saúde e os coloquem em prática em sua vida pessoal e, claro, com seus pacientes.
Sabemos que existem diversas barreiras para a implementação e manutenção de hábitos saudáveis. Entretanto, como profissionais da saúde (pasmem, não somos profissionais da doença) devemos ter esse olhar e cuidado, sempre buscando orientar e incentivar aqueles que estão sob os nossos cuidados para que busquem melhores e mais saudáveis práticas cotidianas.
Diversos estudos apontam para a necessidade de um olhar comunitário da saúde. As intervenções a nível de indivíduo são importantíssimas, mas construir um ambiente favorável para isso é imprescindível. Faz muito mais sentido orientar e modificar o ambiente no qual os indivíduos estão inseridos e, assim, favorecer escolhas saudáveis e um ambiente favorável. Esta é a conclusão dos estudos que se debruçam sobre as chamadas "Blue Zones", as regiões do planeta com maior proporção de centenários e menor incidência e prevalência de DCNTs.
Ademais, a Organização de Saúde Pan-americana (PAHO) escolheu para a data comemorativa deste ano o tema " Our Planet, Our Health". Ou seja, "Nosso Planeta, Nossa Saúde", com o objetivo de ressaltar a importância de um meio ambiente equilibrado para a saúde humana. De acordo com a instituição, estima-se que um milhão de mortes prematuras por ano sejam atribuíveis a riscos ambientais evitáveis conhecidos.
A poluição do ar e dos ecossistemas aquáticos, saneamento básico e gestão de resíduos sólidos ineficientes, impactos negativos das mudanças climáticas e diversas outras questões são as ameaças ambientais de saúde pública mais prementes. Estas são, sem sombra de dúvidas, agravadas por práticas de governança fracas e potenciais desigualdades na saúde, bem como por liderança, experiência e recursos limitados no setor de saúde.
No entanto, este Dia Mundial da Saúde deve ser um potente lembrete de que a resolução de muitas das questões de saúde que apresentei aqui está além da competência exclusiva do setor de saúde e, como consequência, uma resposta eficaz exigirá que todo o governo e abordagens de toda a sociedade.
Saúde é sim fazer exames de rastreio, manter a carteira de vacinação em dia, se alimentar de forma equilibrada, passar tempo de qualidade com pessoas queridas, se dedicar a algum hobby, mas também estar em um ambiente seguro, ter seus direitos assegurados, ter acesso à educação.
Com relação à pergunta que motivou a escrita desse texto, cara leitora e caro leitor, receio não tem resposta. Não sei o motivo, ou melhor, imagino diversos motivos pelos quais isso aconteça. No entanto, foco minhas atenções na solução: buscar sempre fazer o melhor em termos de promoção à saúde para mim, para os pacientes e para o planeta.
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Referências
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- Kushner RF, Sorensen KW. Lifestyle medicine: the future of chronic disease management. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2013 Oct;20(5):389-95. Disponível em: Doi: 10.1097/01.med.0000433056.76699.5d. PMID: 23974765. Acesso em 07 de abril de 2022.
- PAHO.World Health Day is celebrated every year on 7 April to commemorate the anniversary of the founding of the World Health Organization (WHO) in 1948. Disponível em https://www.paho.org/en/events/virtual-commemoration-world-health-day-april-7th-2022-our-planet-our-health. Acesso em 07 de abril de 2022.