A pandemia de COVID-19 trouxe a necessidade de muitas adaptações em diversos aspectos das nossas vidas. Na saúde, uma mudança notória foi a adoção em larga escala da telemedicina, por exemplo. Indo além, um artigo publicado na revista Nature Medicine em 13 de junho de 2022 buscou trazer à tona outras grandes mudanças proporcionadas por quatro áreas de inovação em saúde que ocorreram em detrimento da pandemia.
Em primeiro lugar, o autor, Chia-Yi Hou, destacou os dispositivos portáteis de monitoramento de saúde, chamados de wearables. De acordo com ele, mais de 100 milhões de pessoas nos Estados Unidos possuem algum tipo de dispositivo que pode monitorar a saúde, o que oferece grande potencial para ensaios clínicos remotos usando sensores vestíveis.
Esses dispositivos, geralmente usados no pulso, podem rastrear sinais vitais como frequência cardíaca, temperatura corporal e se seu usuário está em movimento. Em termos de pressão arterial, os wearables fornecem uma medida mais consistente e previsível da frequência cardíaca em repouso do que as medidas obtidas em um consultório médico. Dados de longo prazo indicam que tais equipamento também podem ser usados para prever outras manifestações clínicas, como desidratação ou anemia.
Ademais, o artigo traz a informação de que a presença de long-COVID pode ser detectada por meio dos batimentos cardíacos em repouso, sono e atividade de usuários de relógios inteligentes. Um estudo anterior observou que pessoas que testaram positivo para SARS-CoV-2 experimentaram bradicardia transitória, seguida de taquicardia relativa prolongada por 2 a 3 meses, com um subconjunto mostrando frequência cardíaca elevada em pelo menos cinco batimentos por minuto e por até 133 dias.
O texto traz a ideia de que, no futuro breve, os wearables podem ser utilizados para prevenir a transmissão de patógenos, como o SARS-CoV-2. Habitantes de uma determinada vizinhança podem saber se alguém da redondeza apresenta alguma mudança metabólica, sugerindo possível infecção, e podem ainda ser , observa Topol. Uma pessoa pode ser notificada de que outras pessoas em sua vizinhança estão mostrando sinais de infecção potencial, conforme detectado por seus dispositivos vestíveis, e que devem considerar fazer o teste. Eles podem receber avaliações de risco individualizadas para sugerir quais precauções devem tomar, com base em seus dados de saúde e na frequência de casos em sua área. Em nível populacional, dados agregados podem dar às autoridades de saúde um alerta precoce de que as infecções podem estar aumentando.
Em segundo lugar, o artigo traz informações sobre a crescente importância que estudos comportamentais vêm apresentando no contexto da pandemia de COVID-19. Embora ensaios controlados randomizados sejam a base da pesquisa médica, eles podem não ser tão úteis para estudar como as mudanças comportamentais podem melhorar a saúde. Eles vem sendo usados para avaliar aspectos da adesão à prática de exercícios físicos e também em relação à adoção de máscaras e isolamento social no âmbito da pandemia.
Outra área relacionada à tecnologia na saúde é a vigilância genômica. Este tema ganhou grande destaque principalmente no que concerne ao sequenciamento de genomas de variantes do SARS-CoV-2. Um aspecto importante deste procedimento, segundo o autor, é a adoção de uma abordagem de ciência aberta, em termos de protocolos e kits padronizados e das próprias sequências, que são imediatamente compartilhadas globalmente.
O uso de protocolos padrão e kits compartilhados significa que cada parte do processo é a mesma para todos, onde quer que estejam no mundo, desde a extração até o upload de dados do genoma. Se os dados não forem devidamente curados ou controlados de qualidade, as informações podem não ser precisas e isso pode prejudicar os esforços posteriores para entender o vírus ou desenvolver vacinas.
Segundo o artigo, o compartilhamento amplo de sequências de genoma pode representar desafios de segurança e privacidade – algo que usualmente não representa um problema para sequências virais, mas um problema potencial para o DNA humano. No entanto, já existem plataformas desse tipo: na Suécia, o banco de dados nacional SCIFI-PEARL vincula dados de pessoas que foram diagnosticadas com COVID-19 com dados de um grupo de controle não infectado e inclui dados sobre uma ampla gama de outras condições de saúde, incluindo asma e doenças cardiovasculares.
Por fim, o desenvolvimento de medicamentos, que é um processo longo e caro, com novos compostos levando muitos anos para passar pela seleção inicial e ensaios clínicos e, finalmente, chegar ao mercado, foi impulsionado e acelerados pela pandemia. Neste sentido, as bibliotecas químicas (bibliotecas codificadas por DNA, nas quais pequenas moléculas são arquivadas para referência, na tentativa de encontrar agentes antivirais colocadas em prática desde os anos 2000) foram muito úteis.
Tais bibliotecas foram usadas para desenvolver medicamentos que visam a protease M pro SARS-CoV-2 e proteínas não estruturais, embora nenhum tenha sido aprovado para uso em humanos.
Uma lição da pandemia de COVID-19, de acordo com Hou, foi que, embora as bibliotecas químicas codificadas por DNA possam acelerar a fase de descoberta de medicamentos, poucos novos agentes terapêuticos chegam com rapidez suficiente para uma situação tão urgente. O desenvolvimento de pequenas moléculas geralmente leva mais tempo do que o de anticorpos monoclonais ou vacinas.
Mas com uma biblioteca de produtos químicos, todos os processos de testes pré-clínicos seriam bastante rápidos: construir a biblioteca, fazer seleções contra proteínas alvo e validação dos resultados iniciais. Tudo se resumiria à eficácia e rapidez com que os ensaios clínicos poderiam ser conduzidos. Há, no momento, diversas pesquisas para o desenvolvimento de drogas antineoplásicas utilizando bibliotecas químicas, e os resultados são promissores.
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Referências:
Hou, CY. Four areas of health innovation boosted by the pandemic. Nat Med (2022). https://doi.org/10.1038/s41591-022-01844-w Disponível em https://www.nature.com/articles/s41591-022-01844-w