"Comparado aos outros impulsos básicos da vida - como beber, comer e se reproduzir -, o sono costuma ser subestimado e sacrificado no dia a dia. Na tentativa de cumprir prazos cada vez mais curtos e atender um volume de demandas que só faz crescer, temos dormido cada vez menos. No entanto, uma série de descobertas científicas nos últimos vinte anos vem fazendo soar o sinal de alerta: é urgente que entendamos os mecanismos relacionados ao sono e ao seu produto mais misterioso, o sonho, a fim de determos os danos e as tragédias provocados pela nossa negligência.".
O trecho acima está escrito na orelha da capa do livro "Por que nós dormimos", do neurocientista britânico Matthew Walker. Até pouco tempo atrás, a ciência não tinha resposta para a questão que consta no título do livro. Não se sabia ao certo qual era o benefício do sono - visto que biologicamente pode parecer contraproducente passar boa parte do dia sem estar à procura de alimento, de parceiros sexuais ou se defendendo de predadores. Tampouco haviam estudos que chegassem a conclusões acerca dos motivos pelos quais sofremos consequências devastadoras na saúde quando privados de horas dormidas.
Nesta obra, o autor oferece uma investigação aprofundada sobre como o sono afeta cada aspecto do nosso bem-estar mental, físico e social. Utilizando-se de uma extensa bibliografia e décadas de suas próprias pesquisas e prática clínica, Walker defende o bom sono como panaceia, que é imprescindível para melhorar o aprendizado, o humor e níveis de energia, realçar a criatividade, regular hormônios, prevenir câncer, demências e doenças cardiovasculares, controlar a glicemia, retardar o envelhecimento e aumentar a longevidade.
Além disso, a insuficiência de sono altera a regulação do sistema de fome e saciedade, por modificar as concentrações de leptina e grelina, o que pode favorecer o maior consumo de alimentos, em especial de industrializados e de comidas densamente calóricas e consequente ganho de peso. A obra ainda ressalta que o sono de qualidade é fundamental para uma boa resposta imunológica, tanto frente a infecções quanto a vacinas: pacientes com restrição de sono podem ter uma redução de 50% na taxa de anticorpos pós vacinação contra a gripe.
O autor ainda se debruça sobre aspectos biológicos e evolutivos do sono, e explica semelhanças e diferenças do sono do Homo sapiens em relação a outras espécies de animais, principalmente outros primatas, e também busca explorar consequências da desregulação do ciclo circadiano humano. Ademais, ele traz as últimas evidências sobre o consumo de melatonina, como driblar o famoso e temido jet lag e também recentes estudos que demonstram os malefícios do consumo exagerado de cafeína e de álcool e outras drogas para o ciclo de sono-vigília.
De forma surpreendentemente simples, Walker explica a ciência por trás da indução e manutenção do sono, e também a importância dos diferentes estágios do sono (REM e não-REM), demonstrando por meio de gráficos e imagens as oscilações hormonais, mas também utilizando metáforas para explicar a arquitetura do sono e as consequências que surgem quando esta não é respeitada em sua forma natural.
Na parte 3 do livro, o autor desvenda os mistérios por trás dos sonhos. Afinal, eles são importantes? Como e por que ocorrem? Somente nós sonhamos? O que ocorre na neurofisiologia do sono REM que poderia explicar sonhos bizarros e até pesadelos? Aqui tenho que me controlar para não dar spoiler ao leitor ou leitora, pois confesso que esta foi minha seção preferida - aqui somos convidados a mergulhar em um universo completamente desconhecido, cujas pesquisas são recentes - e sobre o qual ainda há muito a ser descoberto.
A quarta parte do livro busca trazer à tona discussões acerca de distúrbios de sono, como insônia, sonanbulismo, narcolepsia e privação voluntária do sono e suas consequências, bem como a prescrição e o (ab)uso de medicações para dormir. Walker faz ainda duras críticas às práticas sociais que minimizam a importância do sono. Ainda, ele ressalta os efeitos deletérios da privação de sono em especial no âmbito de algumas profissões, como na Medicina: "Se você está prestes a receber tratamento médico em um hospital, faria bem em perguntar ao médico: 'Por quanto tempo o senhor dormiu nas últimas 24 horas?' A resposta dele determinará com um grau estatisticamente provável se o tratamento recebido resultará em um erro médico grave, ou até em morte.".
Por fim, o autor busca trazer outras medidas não farmacológicas que podem ajudar - e muito - os pacientes a terem um sono de maior qualidade, duração e, consequentemente, mais reparador. No apêndice constam 12 breves sugestões para um sono saudável, que passam pela prática de exercícios físicos e a adoção de uma dieta saudável, criação de rotinas e padrões de sono, incluindo a exposição à luz solar durante o dia, diminuição do consumo de nicotina, álcool e cafeína, o uso de técnicas de relaxamento e a instauração da higiene do sono.
Vivemos em uma época veloz que considera oito horas de sono "perda de tempo". Como afirma o autor, pessoas que dormem pouco se acostumam a um novo padrão de vida que nivela as coisas por baixo, e então passam a achar que é natural ter problemas de memorização e concentração, sentir cansaços inexplicáveis durante o dia, ter irritabilidade e mudanças drásticas de humor, ter pensamentos ruins, etc. Após a leitura destas empolgantes quase 400 páginas, é possível compreender que boa parte dos problemas que acometem os seres humanos provêm da privação do sono. Afinal, a natureza não nos faria dormir um terço de nossas vidas à toa.
"Por que nós dormimos" é uma obra de fácil leitura, que irá agradar a leigos, curiosos do assunto, profissionais de saúde e, claro, pessoas que têm problemas de sono. Termino este artigo numa noite de terça-feira, prestes a desligar o computador, diminuir minha exposição às luzes e pronta para iniciar esse processo tão simples mas ao mesmo tempo tão complexo e igualmente importante. Uma dádiva que a natureza nos deu, da qual estou prestes a desfrutar.
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Referências:
Matthew Walker. Por que nós dormimos: a nova ciência do sono e do sonho. 1ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Intrínseca. 2018.