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Meditação como prática pessoal e médica

Meditação como prática pessoal e médica
Caroline Ahrens Ortolan
abr. 1 - 9 min de leitura
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Imagine que você está em seu computador ou celular, com diversas abas do navegador abertas para trabalhar em vários aplicativos simultaneamente e executar diferentes tarefas. De repente,  tudo começa a travar, os programas não respondem aos comandos  e logo aparece um aviso do sistema: ele está sobrecarregado e precisará ser reiniciado e atualizado para que volte a funcionar plenamente.

É mais ou menos dessa forma que funciona a meditação, uma prática milenar que está presente, de formas distintas, em diversas culturas e povos, e que, em muitos momentos, esteva ligada à religião.  No entanto, as técnicas meditativas não pertencem a esta ou aquela cultura, ou a esta, ou aquela religião, embora algumas possam ter sido disseminadas a partir de focos religiosos específicos.

A meditação não é, todavia, "não pensar em nada", como muitos possam imaginar. Não é preciso ser um monge budista sentado em uma posição aparentemente desconfortável no topo de uma montanha ao nascer do sol entoando mantras para se meditar. Qualquer pessoa, de qualquer idade em qualquer lugar do mundo pode praticar meditação e se beneficiar desta prática. 

Mas então, o que é meditação?

De acordo com o Dr. Roberto Cardoso, médico brasileiro e pesquisador, para ser considerado meditação, o procedimento deve se valer dos seguintes parâmetros operacionais:

1. Utilizar uma técnica específica que envolve relaxamento muscular e que pela lógica, deve ser um estado auto induzido;

2. Ter um foco, frequentemente chamado de âncora. Assim, reduzimos o nosso envolvimento com as sequências de pensamentos.

 Em termos básicos, poderíamos dividir as meditações de dois modos: em ativas (técnicas com movimento) e passivas (técnicas sem movimento).

Então, ao invés de não pensar em nada, focamos nossa atenção na “âncora” e quando algum pensamento vem a cabeça nós voltamos a prestar atenção na “âncora” sem nos envolvermos com ele, mantendo uma postura que pretende não analisar, não julgar e não criticar este pensamento. Ou seja, meditar não é não pensar em nada, e sim não se envolver com as sequências de pensamentos.

Eu, particularmente, utilizo técnicas passivas na minha pratica meditativa. Por exemplo, uma técnica natural da qual gosto é utilizar como âncora um evento natural, habitual, do meu próprio corpo, como a respiração. Focar na passagem de ar nas narinas, ou no movimento do abdome durante a própria respiração, por uns 20 minutos, todos os dias, é algo que aprendi a encaixar na minha rotina.

Quais os benefícios?

Beleza, entendi o que é meditação. Mas o que eu ganho com isso?

Pesquisadores ao redor do mundo já relataram que a prática meditativa pode ter efeitos significativos e positivos em seu cérebro. Um artigo de 2015 avaliou o uso de uma técnica meditativa específica em pessoas com declínio cognitivo subjetivo, comprometimento cognitivo leve e cuidadores altamente estressados, todos dos quais estão em risco aumentado para o desenvolvimento subsequente de Doença de Alzheimer, e obteve bons resultados em diversos parâmetros. 

A prática da atenção plena aumenta também a atenção. O córtex cingulado anterior é a região associada à atenção na qual as mudanças na atividade e/ou estrutura em resposta à meditação da atenção plena são mais consistentemente relatadas. Pesquisadores também relatam melhora na regulação emocional e redução do estresse, principalmente via redes fronto-límbicas.

A meditação também tem sido associada a mudanças no hipocampo, a parte do cérebro responsável por formar memórias e consciência espacial.

Um estudo de 2011 publicado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA comparou os cérebros de pessoas que meditaram por aproximadamente 40 minutos por dia com os cérebros de pessoas demograficamente pareadas que não meditaram de forma alguma. Os exames de imagem cerebrais revelaram que havia algumas áreas do cérebro do meditador com mais massa cinzenta, sendo que uma dessas áreas era o hipocampo, área do sistema nervoso responsável pela conversão de memórias de curto prazo em memórias de longo prazo.

Além disso, a prática da meditação tem o potencial de afetar o processamento autorreferencial e melhorar a consciência do momento presente. As redes de modo padrão (incluindo o córtex pré-frontal da linha média e o córtex cingulado posterior, que suportam a autoconsciência) podem ser alteradas após o treinamento de atenção plena.

A meditação faz bem para a saúde e auxilia em diversos momentos, como:

• Tratamento da depressão;

• Redução da ansiedade;

• Regulagem dos genes inflamatórios;

• Melhoria na expressão de genes reguladores da insulina;

• Aumento  do comprimento de telômeros;

• Melhora na qualidade do sono.

Especialmente em relação ao sono, os impactos da meditação estão melhor documentados. Uma pesquisa estadunidense avaliou alguns parâmetros de saúde em estudantes universitários que utilizaram o aplicativo Calm durante 8 semanas, e observaram melhora no perfil de estresse e diminuição da insônia. Há, inclusive, estudos que demonstram melhora na sensação de bem-estar de pessoas com fibromialgia e outras doenças reumatológicas.

No entanto, a prática meditativa pode não ser benéfica para todo mundo. Pessoas que já tiveram o diagnóstico confirmado (ou estão sob suspeita) de esquizofrenia não devem meditar, pois a prática pode desencadear surtos psicóticos. 

Como fazer para incluir a meditação na minha rotina?

"Eu já tenho a vida muito corrida, onde vou arranjar 15 minutos por dia para ficar sentado sem fazer nada???"

Calma! Em primeiro lugar, você não precisa praticar todos os dias. Comece com uma ideia de praticar 3 vezes na semana, por exemplo, mas tenha em mente de que, assim como ocorre em exercícios físicos, quando mais você praticar, mais benefícios vai receber. Separe um momento do seu dia, um espaço físico adequado, sente-se de forma confortável e simplesmente medite! Feche os olhos e tome uns minutos para se acalmar. Quando se sentir pronto, preste atenção em sua respiração. Observe como o ar viaja de fora para dentro de seu corpo, enquanto você inala e exala.

No começo não vai ser nada fácil, e você pode sentir como se fosse inundado por pensamentos e sentimentos, o que pode ser bastante frustrante. Busque se informar e ler mais sobre meditação e, se você puder, faça aulas com algum facilitador de meditação ou utilize algum dos diversos aplicativos para celular que existem hoje em dia.

Não trate a meditação como mais uma obrigação no seu dia a dia, mas tenha disciplina e perceba que, assim como no exemplo do computador, talvez a pausa, um "shut down" do sistema, seja exatamente o que você precisa.

"Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue". Rabino Nilton Bonder

Gostou do conteúdo? Compartilhe com quem está precisando meditar e, se possível, deixe seu comentário. Fica a dica!

Artigos relacionados

Referências

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6. Roberto Cardoso. Medicina e Meditação - um Médico Ensina a Meditar. Editora MG Editores, 2011.

7.Cardoso R, de Souza E, Camano L, Leite JR. Meditation in health: an operational definition. Brain Res Brain Res Protoc. 2004 Nov;14(1):58-60.Disponível em:  Doi: 10.1016/j.brainresprot.2004.09.002. PMID: 15519952. Acesso em 01 de abril de 2022.

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