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O Imperador de Todos os Males - uma biografia do Câncer, por Siddharta Mukherjee

O Imperador de Todos os Males - uma biografia do Câncer, por Siddharta Mukherjee
Caroline Ahrens Ortolan
fev. 7 - 8 min de leitura
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Todo mundo conhece alguém que teve ou tem câncer. Só de ouvir esta palavra, alguns podem ter arrepios ou trazer à tona lembranças ou experiências negativas. Há pessoas que pensam que o câncer é uma doença da modernidade, que surgiu como consequência do nosso estilo de vida pouco saudável. Muitos outros se perguntam quando teremos a cura definitiva para o câncer. Ainda existem muitos tabus relacionados a essa doença - ou "a essas doenças" - que continua sendo bravamente combatida por profissionais de diversas áreas da saúde, e, claro, pelos pacientes.

Neste sentido, o livro do médico indiano Siddhartha Mukherjee, intitulado “O Imperador de Todos os Males: Uma biografia do câncer”, ganhador do Prêmio Pulitzer em 2011, busca responder às indagações das pessoas em relação ao câncer na inusitada forma de biografia, “no sentido mais verdadeiro da palavra — uma tentativa de penetrar a mente dessa doença imortal, de compreender seu comportamento e de desmistificar seu psiquismo”.

Dividida em 6 partes, a obra levou mais de sete anos para ser escrita, como resultado de intensas pesquisas de seu autor. O prólogo consiste na descrição da construção da carreia de médico de Mukherjee, além de dilemas, angústias, experiências, motivações e dificuldades. Embora não respeite uma linearidade e continuidade temporal, a obra foi escrita na forma de romance, e recomendo que você faça grifos e anotações para conseguir acompanhar todos os detalhes desta rica história.

A parte I, intitulada “A bile negra, sem ser fervida”, contém a história de Sidney Farber, um patologista pediatra que teve considerável ação na batalha contra o contra o câncer, especificamente a leucemia, considerado o pai da quimioterapia moderna. A aproximação do leitor à jornada de Farber faz com que qualquer pessoa, mesmo que leiga, comece a se apaixonar pelo livro e não queira deixá-lo de lado. A leucemia é a doença de Carla Reed, paciente de Mukherjee apresentada ainda no prólogo, cuja trajetória podemos acompanhar ao longo do livro, e nos faz querer descobrir qual foi o seu desfecho (ela alcançou a cura ou foi mais uma vítima da doença??). Além disso, nesta parte, o autor discorre sobre a origem da palavra “câncer” e a origem das cirurgias oncológicas, como a mastectomia radical, passando por Hipócrates, Galeno, Lorenz Heister e Halsted. 

“Uma guerra impaciente”, a segunda parte da obra, discorre sobre o empenho de médicos e associações em busca de financiamento para desenvolver pesquisas e tratamentos contra o câncer, e coloca Mary Lasker, uma conhecida socialite de Manhattan, no centro da narrativa. Em conjunto com Farber, ela teve papel fundamental na construção da luta contra a doença e na busca por financiamentos para pesquisas científicas. Aqui ganham destaque os aspectos culturais e sociais, como o autor observa na página 127: “uma doença precisa ser transformada politicamente antes de ser transformada cientificamente”.

A morte de Sideney Farber em 1973, narrada na parte III (“Você vai me expulsar se eu não melhorar?”), ressalta a instabilidade da história da luta contra o câncer, repleta de altos e baixos: “Teorias foram estilhaçadas; a descoberta de drogas estagnou-se; os estudos clínicos escassearam; e reuniões acadêmicas degeneraram em brigas feias” (p. 221). Por outro lado, a parte IV, “Prevenção é a cura”, traz a esperança à luz novamente e busca mostrar uma nova perspectiva dos estudos sobre a doença. Segundo Mukherjee, a prevenção é a principal etapa da luta, na qual todos podem e devem se engajar:

“a parte de cima da pirâmide é a prevenção, e quando eu falo sobre prevenção, quero dizer que o que deve ser feito é: identificar novos agentes cancerígenos, mudar nossos comportamentos que podem causar câncer […], algo que é óbvio […]”.

Ainda na quarta parte do livro, os leitores são convidados a acompanhar o relato de batalhas médicas, políticas, jurídicas e, porque não, econômicas que acompanharam a história de um dos mais conhecidos e importantes carcinógenos, o cigarro. Aqui podemos ver uma etapa importante nas ideias de risco, rastreamento, prevenção e diagnóstico de câncer.

Mukherjee relata, na quinta parte ("Uma versão distorcida do nosso eu normal"), as transformações psicológicas e de atitude que ocorreram nas vidas de seus pacientes em detrimento do câncer, e discorre sobre aspectos genéticos e hereditários da doença.

A última parte do romance, "Os frutos de longos esforços", traz informações acerca dos últimos e mais importantes animadores avanços na pesquisa sobre câncer e também a posição de Mukherjee sobre perspectivas futuras. Além da prevenção e do rastreio genético do câncer, previamente citados, o autor aponta uma nova etapa que deve ser inerente à pesquisa oncológica:

"A terceira e talvez mais complexa das novas direções para a medicina do câncer é a que integra nossa compreensão dos genes e trajetórias aberrantes para explicar o comportamento do câncer em sua completude, renovando com isso o ciclo de conhecimento, descoberta e intervenção terapêutica" (p. 484).

Poderemos, algum dia, vencer o câncer? Aqui, o autor traz esperança a essa pergunta que me rodeava no decorrer de cada página do livro. É meritória a evolução dos tratamentos e procedimentos cirúrgicos neste tão diminuto intervalo de tempo, em especial na oncologia. Entretanto, Mukherjee reitera que as tecnologias mais novas e efetivas possuem custo alto, fato que ressalta as desigualdades no acesso à saúde, uma grande sombra ainda persistente na luta contra o câncer. 

O Imperador de Todos os Males: Uma biografia do câncer” é, sem sombra de dúvidas, uma obra de leitura obrigatória a todos os profissionais de saúde e curiosos, repleta de informações concretas mas envoltas em uma sensibilidade ímpar. O livro nos convida a enxergar o câncer como uma entidade que vai muito além de um conjunto de erros biológicos, e, portanto, nossas armas na guerra contra ela devem ser compostas por muito mais do que quimioterapias ou cirurgias. Felizmente, temos hoje muito mais acertos do que erros, graças à resiliência de profissionais e pacientes que marcaram história. Deixo, por fim, um trecho que me tocou profundamente e continua ressoando em mim, meses após a conclusão da obra:

"Aquela noite, Germaine parecia ter capturado algo essencial a respeito de nossa luta contra o câncer: para acompanhar o ritmo dessa doença, é preciso inventar e reinventar, aprender e desaprender estratégias. Germaine combateu o câncer de maneira obsessiva, astuciosa, desesperada, feroz, louca, brilhante e zelosa - como se canalizasse toda a feroz e inventiva energia de gerações de homens e mulheres que lutaram contra o câncer no passado e lutarão no futuro [...] até aquela noite final, quando olhou para dentro da arca de sua capacidade de reagir e viu que estava vazia. Naquela noite difícil de esquecer, pendurada à vida apenas por um fio tênue e reunindo todas as suas forças, toda a sua dignidade para ir de cadeira de rodas ao banheiro, foi como se ela encarnasse a essência de uma guerra de 4 mil anos."

 

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Referências:

Mukherjee, S.. O imperador de todos os males: uma biografia do câncer. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012. 634 p.

 

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