O que você vai encontrar nesse texto:
- As mudanças climáticas devem ser responsáveis por um aumento de pelo menos 250 mil mortes anuais na próxima década
- Como a mudança climática impacta a produção de alimentos e aumenta as áreas de fome no mundo
- As doenças causadas por mosquitos e outras zoonoses devem aumentar consideravelmente em todo o mundo
- Novas epidemias de etiologias diferentes devem acontecer, intimamente ligadas ao aumento populacional humano e alteração climática
No dia 5 de junho de 1972, durante a abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo, na Suécia, ficou estabelecido que esta seria a data de celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente. De lá para cá, a população mundial passou de 3,837 bilhões de pessoas para 7.95 bilhões. Isso, por si só, já significa que o planeta deve ser capaz de alimentar e abrigar o dobro de pessoas que fazia há 50 anos. No entanto, sabemos que os hábitos de consumo desenfreado, má gestão de resíduos e mudanças na ocupação espacial e necessidades agravam muito esse quadro, cujas previsões não são nada animadoras.
Sabemos, ainda, que a saúde e bem-estar das populações humanas estão intrinsecamente ligados ao nosso ambiente natural. Falando especificamente das mudanças climáticas, o mais recente Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta que, à medida em que a Terra continua a aquecer, bilhões de pessoas em todo o mundo sofrerão impactos cada vez maiores na saúde física e mental. De fato, a Organização Mundial da Saúde proclamou as mudanças climáticas como “a maior ameaça à saúde que a humanidade enfrenta”.
Na prática, o desequilíbrio do meio ambiente causado por nós mesmos virou tema de interesse e estudo direto da Medicina. A Saúde Planetária entra neste quesito como a área de pesquisa que se debruça sobre os impactos que os seres humanos sofrem devido à degradação ambiental de causa antropogênica. Entre 2030 e 2050, estima-se que as mudanças climáticas causem aproximadamente 250.000 mortes por ano, apenas por desnutrição, malária, diarreia e estresse por calor. Os custos de danos diretos à saúde devem girar entre US$ 2-4 bilhões por ano até a próxima década.
Os impactos vão desde propagação de doenças à poluição do ar, pior disponibilidade de nutrientes e insegurança alimentar a consequências para a saúde mental. Sabe-se que 9 a cada 10 pessoas no mundo respiram ar de qualidade insalubre, causada especialmente pela queima de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás natural. A poluição do ar contribui para a morte de 13 pessoas a cada minuto, cujas causas de morte incluem doenças como câncer de pulmão, doenças cardíacas e derrame.
Além da poluição atmosférica, somos constantemente expostos a resíduos plásticos. Destes, os mais estudados atualmente são os chamados microplásticos, que estão presentes ao longo das cadeias alimentares de forma cumulativa. Desta forma, por meio do processo de magnificação trófica, os predadores de topo de cadeia são os que mais acumulam este tipo de resíduo.
As consequências disso para a saúde humana estão apenas começando a ser compreendidas, mas sabe-se que estas partículas podem atuar como disruptores endócrinos, e afetar diversos aspectos do nosso metabolismo. Além disso, compostos como agrotóxicos e metais pesados contaminam os corpos d'água e também se acumulam nos seres vivos.
As mudanças climáticas comprometem o acesso a água potável segura e limpa, já escassa em diversas regiões do globo. Em conjunto, isso aumenta a chance de transmissão de diversas doenças infectocontagiosas, além de trazer à tona questões territoriais devido à disponibilidade de água, ocasionando conflitos. Atualmente, cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável e 829.000 pessoas morrem de doenças diarreicas todos os anos devido à água poluída e ao saneamento precário.
À medida em que as mudanças climáticas se agravam, aumenta também a frequência e a ferocidade de eventos climáticos extremos, como a seca, temporais, tufões, tornados, enchentes e outros. Isso traz um impacto direto na produtividade global da agricultura. O resultado: taxas crescentes de insegurança alimentar e desnutrição. Além disso, os sistemas alimentares predominantes atualmente são fortemente dependentes de proteína animal (o que por si já aumenta a probabilidade de transbordamento de vírus e bactérias dos animais para os seres humanos - como o vírus Sars-CoV-2 e tantos outros), distanciam o produtor do consumidor, valorizam os nada saudáveis alimentos ultraprocessados, favorecem o desperdício alimentar, emitem uma quantidade enorme de gases de efeito estufa e de poluentes e aumentam ainda mais o número de pessoas que passam fome.
Por outro lado, nossos hábitos de consumo de bens duráveis e de alimentos intensificam ainda mais a degradação ambiental, acelerando o desmatamento e deteriorando os ecossistemas aquáticos. Ademais, a destruição de habitats naturais e a perda de biodiversidade aumentam a propagação de doenças entre animais e humanos. À medida que os ecossistemas são deteriorados e as zonas urbanas e rurais tomam conta dos territórios, aumenta também o contato dos seres humanos com animais silvestres e vetores de doenças. Também, com o aumento da temperatura, os mosquitos e outros animais conseguem se reproduzir mais e aumentar seus hábitats, levando doenças mais longe do que nunca. Se as mudanças climáticas continuarem inabaláveis, mais 4,7 bilhões de pessoas poderão estar em risco de doenças transmitidas por mosquitos, como malária e dengue, até 2070.
As mudanças climáticas também têm impacto direto em nossa saúde mental: O IPCC descobriu que o trauma de eventos climáticos extremos está afetando a saúde mental das pessoas em todo o mundo. Tendo em vista que o clima se tornará mais instável e todos os outros problemas se agravem, projeta-se que a ansiedade e o estresse aumentem, especialmente para crianças, adolescentes e idosos.
O IPCC concluiu que, para evitar impactos catastróficos na saúde e evitar milhões de mortes relacionadas às mudanças climáticas, o mundo deve limitar o aumento da temperatura a 1,5°C em comparação com a era pré-industrial. No entanto, o aquecimento de até 1,5°C ou 2ºC já não é considerado seguro pois traz diversas mudanças nos sistemas planetários; cada décimo de grau adicional de aquecimento afetará seriamente a vida e a saúde das pessoas.
Embora ninguém esteja a salvo desses riscos, as pessoas cuja saúde está sendo prejudicada primeiro e pior pela crise climática são justamente aquelas que menos contribuem para suas causas e que são menos capazes de proteger a si mesmas e suas famílias: pessoas pobres e habitantes de países subdesenvolvidos.
A crise ambiental ameaça desmantelar os últimos cinquenta anos de progresso na saúde e na diminuição das desigualdades sociais. Embora o cenário não seja nada animador, existem soluções para os desafios ambientais existentes e garantir saúde aos seres humanos. Fáceis? De forma alguma. Necessárias? Com certeza. Tudo parte de mudanças em nossos hábitos de consumo, que atualmente fazem com que necessitemos de 1,75 planeta para sustentar todos os habitantes da Terra. É imperativo que transformemos a forma de extração de recursos, os meios de produção e a velocidade com a qual consumimos e descartamos os bens de consumo. Precisamos mudar a forma como trabalhamos, nos vestimos, moramos, nos alimentamos, transportamos, viajamos, nosso lazer, nossas ambições e nossa forma de viver. Igualmente importante é escolhermos dirigentes políticos e governantes comprometidos com a agenda ambiental e de saúde, e cobrar-lhes ações adequadas e concretas. Ademais, vale ressaltar o papel que as organizações, em especial empresas e indústrias, têm na mitigação e combate à degradação ambiental e às mudanças climáticas.
Com isso, podemos reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e assim manter o aumento da temperatura global sob controle e ajudar a evitar alguns dos impactos climáticos mais severos. Assim, poderemos também compensar os riscos à saúde, como aqueles associados à poluição do ar, escassez de alimentos, disseminação de doenças e impactos na saúde mental. Se tomarmos coletivamente medidas proativas para proteger a natureza, limitar a poluição por plásticos e investir em agricultura eficiente e energia limpa, poderemos garantir a saúde do nosso planeta e de sua população.
Por muito tempo, colocamos saúde e meio ambiente em caixas diferentes. O trabalho de nossa geração é unir as duas, entender que, de fato, elas pertencem à mesma caixa – que a saúde planetária define a saúde humana – e que, à medida que melhoramos uma, melhoramos a outra também.
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Referências:
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